Pedreiros mortos. Fale a verdade: quem se importa com isso?, Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Um operário morreu na noite desta quinta (24) nas obras do Rodoanel, em Itaquaquecetuba, região metropolitana de São Paulo. Os trabalhadores estavam preenchendo com concreto um pilar de um viaduto, quando ele desabou sobre Valdete Cunha, que morreu no local.

Daí você lê essa informação, pensa “puxa, que coisa” e segue.

Mas se o caso fosse algum esquema de corrupção envolvendo um governo estadual ou federal, certamente teríamos mais pessoas ficando loucas, esbaforidas, maldizendo a natureza do brasileiro por horas e rangendo os dentes ao dizer que este estado ou país não vão para frente.

Entende-se que cada um tenha suas prioridades e, é claro, que a corrupção rouba recursos que poderiam garantir dignidade a muitas pessoas e salvar a vida de outras tantas. Mas não deixa de ser bastante representativo do que nós somos o fato de que mortes de trabalhadores em determinadas funções essenciais mas invisíveis – como é o caso da construção civil – sejam vistas como efeitos colaterais. Afinal de contas, é um pequeno custo a pagar diante do progresso.

Pois a ponte precisa ficar pronta. O estádio precisa ficar pronto. A fábrica precisa ficar pronta. Meu apartamento novo precisa ficar pronto.

Aprendemos a fazer contagem de corpos de operários mortos no setor por conta da Copa do Mundo. Por exemplo, as obras para o evento em São Paulo mataram três e em Manaus quatro. Mas elas ocorriam antes e seguirão acontecendo depois.

Nós jornalistas temos parte dessa responsabilidade ao privilegiar determinados temas a outros. Seja por boa fé ou por razões eleitoreiras (ou vocês não acham que jornalista e veículo de comunicação, independentemente se grande, pequeno, progressista ou conservador têm lado?) colocamos determinados temas em pauta e escondemos outros. E apesar de raramente a morte de jovens negros terem minutos dedicados nos telejornais para além da seção “policial”, a periferia de grandes cidades, como São Paulo, vai fazendo a contabilidade de um verdadeiro genocídio.

Conversei com um auditor fiscal do trabalho tempos atrás que chorou na minha frente ao explicar que é péssimo ir a uma obra, interditá-la porque pessoas morreriam devido à pressa, à falta de segurança ou à terceirização tresloucada que tornam o trabalhador responsabilidade de ninguém e a obra conseguir uma autorização para continuar operando para, dias ou semanas depois, um corpo cair de algum andaime ou ser perfurado por alguma ferramenta.

Os empresários da construção civil estão com sorrisos de orelha a orelha. Programa de Aceleração do Crescimento, “Minha Casa, Minha Vida”, Copa do Mundo, Olimpíadas. Governo injetando bilhões para financiamento. É claro que tudo isso significa mais geração de empregos em um setor que já contrata milhões. Mas produzir em quantidade e rapidamente tem, por vezes, significado passar por cima da dignidade do trabalhador.

O Palácio do Planalto reclamou, em 2010, do excesso de fiscalização, que trava as obras e faz com que o Brasil cresça mais devagar, momento em que foi aplaudido por parte do empresariado.

Esquece-se (ou ignora-se) que o ritmo de crescimento não deve ultrapassar a capacidade do país de garantir segurança para quem faz o bolo crescer. Ou ir além da capacidade física e psicológica desse pessoal.

Mas como estamos falando dessa gente encardida, não tem problema. Dá mais uma colherada de feijão, uma cachacinha e pau na máquina.

Quando o quiprocó se instalou no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, causado pela revolta de trabalhadores que protestavam contra as péssimas condições de serviço em março de 2011, o governo, que teme por (mais) atrasos nos cronogramas das obras ficou em polvorosa. Na época, a solução apontada pelo Planalto veio na forma de um pacto com empresas e sindicatos para evitar novos conflitos. Disse o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho: “a ideia do pacto é exatamente prevenir para que não haja, em relação as obras da Copa, eventuais atrasos”. O governo quis, dessa forma, copiar o “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar” – acordo vendido como um instrumento eficiente, mas que até agora não mostrou ao que veio. Na verdade, nenhum dos dois.

Enquanto isso, o golpe militar de 1964 completa 50 anos. Gosto de repetir que muita coisa mudou desde que os verde-oliva deixaram o poder, naquela abertura “lenta, gradual e segura”, mas mantivemos modelos de desenvolvimento que dariam orgulho aos maiores planejadores daquele período: de que, para crescer rapidamente e atingir nosso ideal de nação, vale qualquer coisa. Passando por cima de qualquer um. Só não vale criar problemas para setores que doam em campanhas.

Enfim, apenas um desabafo. Afinal de contas, tem gente cuja função nesta vida é servir e outros é serem servidos. Se você está lendo este texto, há uma chance maior de fazer parte do segundo grupo. Pode, assim, continuar filosofando apenas sobre corrupção. Não tem, nem de longe, que se preocupar se sua existência está em risco em nome do concreto.

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