E flutuou no ar como se fosse um pássaro…

“Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima”

Chico Buarque de Holanda

escada da fifa

Rel-UITA

O Brasil acumula mortos na construção de seus estádios.

Em apenas alguns meses nove pessoas, que trabalhavam na construção de estádios para o próximo campeonato mundial de futebol, morreram em consequência da escassa segurança existente nas obras e das jornadas de trabalho de mais de 15 horas.

O último operário falecido no Brasil na construção de um estádio se chamava Fábio Hamilton da Cruz. Tinha 23 anos e morreu no dia 29 de março em São Paulo, quando caiu de oito metros de altura enquanto tentava terminar umas arquibancadas da Arena Corinthians.
Antes do Fábio, oito trabalhadores morreram: seis em condições mais ou menos similares às do jovem paulista, em um acidente, e dois por infarto.
Os trabalhadores são pressionados pelas empresas responsáveis pelas obras que, por sua vez, são pressionadas pelas autoridades estaduais e federais, e estas últimas pelos burocratas da FIFA, a Federação Internacional de Futebol.
“A atitude irresponsável das autoridades estatais, federais e do futebol brasileiro fez com que as obras começassem muito tarde e quem pagou por isso foram os operários, com a sua vida ou com acidentes e lesões que provavelmente lhes deixarão sequelas permanentes, por causa de atrasos que eles não têm nada que ver”, denunciou Antônio de Souza Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sintracon- SP).
As condições de trabalho são ruins e é péssima a segurança, afirmou.
 
Na Arena Corinthians, alguns meses antes, um guindaste desabou, matando dois operários. Para economizar tempo e dinheiro, não fizeram uma base adequada para sustentá-la.
 
Os trabalhadores e os engenheiros de segurança já tinham advertido do perigo, mas os empresários preferiram seguir assim mesmo, disse Antônio de Souza Ramalho para a agência de notícias IPS.

 

Jornadas de 18 horas,
convênios que não se cumprem
A companhia responsável, Odebrecht, uma grande transnacional brasileira, devia fazer uma perícia técnica que ainda não foi apresentada.
Desde o acidente, a Odebrecht assinou com o Ministério de Trabalho um convênio que impede que os operários das gruas façam horas extras ou que trabalhem de noite. Ergo: antes de assinarem este convênio, os operários trabalhavam de noite e faziam horas extra. “Uma coisa criminosa”, segundo outro sindicalista do Sintracon-SP.
O novo convênio estabelece que as jornadas de trabalho não devem superar as 7,5 horas, acrescidas de uma hora para o almoço, e as horas extra diárias devem ser duas, no máximo.
Entretanto o convênio não é cumprido. “Às vezes, trabalham até 18 horas por dia. Apresentei uma denúncia para que a polícia investigasse. Estamos vivendo uma enorme insegurança jurídica”, declarou Antônio de Souza Ramalho à IPS.
O setor da construção é o que mais cria emprego atualmente no Brasil (3.120.000 novos postos em 2013), mas também é um dos mais propensos aos acidentes: 62.000 em 2013, 12 por cento a mais que no ano anterior.
Além da morte nua e crua, os trabalhadores também estão expostos às Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e também a problemas mentais e psicossociais originados pela pressão à que se veem submetidos, de acordo com o engenheiro de segurançaJacques Sherique, do Conselho de Engenharia do  Rio de Janeiro.
Na maioria das vezes, estas doenças nem sequer são notificadas”, afirmou.
Mais de 400 mortos em Qatar
Diante de todos estes acidentes, a FIFA simplesmente lavou as mãos. São tristes, mas não deixam de ser problemas locais, disse um dos seus dirigentes, em Zurique, na Suíça.
Semanas atrás se denunciou que em Qatar, onde está previsto o campeonato de 2022, mais de 400 pessoas haviam morrido na construção dos ultramodernos estádios que essa petromonarquia exibirá estrondosamente.
Neste caso, sequer existe a desculpa da pressa: faltam mais de oito anos –e outra Copa no meio- para que as 32 seleções classificadas se encontrem no pequeno país asiático.
Quase todos os mortos em Qatar foram imigrantes originários do Nepal.
Os nepaleses constituem 20 por cento da mão de obra ativa do país, e vivem, em geral, em condições sub-humanas, em barracões insalubres que não contam com luz nem água corrente, segundo denunciou a Anistia Internacional.
Para trabalhar nos estádios, chegam contratados por empresas que nem sequer lhes entregam os equipamentos mínimos, como capacetes ou cintos de segurança.
O diário inglês The Guardian disse que se o ritmo de acidentes não diminuir em 2022 terão morrido mais de 4.000 trabalhadores e outros milhares terão sofrido acidentes perfeitamente evitáveis que lhes deixarão de alguma maneira inválidos.
Entre 2011 e 2013, os pacientes internados nos hospitais do Qatar, por quedas de diversas gravidades nos estádios, superaram o milhar. 
“É simplesmente inaceitável que um dos países mais ricos do mundo tenha tantos trabalhadores imigrantes que estejam sendo explorados sem piedade, que sejam roubados em seus salários e que fiquem sem remédios para sobreviver”, disse o secretário geral da Anistia InternacionalSalil Shetty.
A FIFA e a sua carranca:
“o Rei Pelé”
E a FIFA como vai? Bem, obrigada. Tanto em Qatar como no Brasil, ela faz vista grossa.
“”Isso é normal, são coisas da vida. Foi um acidente, coisa normal, nada que assuste””, disse o ex-jogador de futebol brasileiro Pelé, convertido a esta altura em um funcionário a mais da Federação, sempre pronto para fazer os deveres  encarregados por seus patrões.
“Preocupo-me, isto sim, é com a infraestrutura, os aeroportos”, comentou.
Pelé acabava de voltar ao Rio de Janeiro, depois de uma turnê internacional patrocinada pela Coca Cola, tendo apresentado –euforicamente– uma coleção de 1.283 diamantes –um para cada um dos gols que marcou- feita a partir de mechas do seu cabelo.
Cada diamante será entregue em uma caixa banhada a ouro e custará 7.500 dólares, o equivalente ao recebido mais ou menos em um ano pelos operários da construção de seu país.  E o que dizer dos nepaleses?
Ilustração: Boligan / CartonClub
Tradução: Luciana Gaffrée

Comments (1)

  1. Alguem poderia imaginar que seria diferente no Brasil, frente ao regime de obras urgenciadas em que os governos ficam subordinados ao Patrão FIFA e as empreiteiras. Infelizmente para a saude do trabalhador, a exploração do trabalho e os “acidentes” farão parte do legado do Negocio da Copa! Da copa eu abro mão eu quero saude, moradia, trsnporte e educação!!!

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