Em defesa do Quilombo de Bombas e em homenagem a um Defensor Público que dignifica a tod@s nós

CircleofLove siteTania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Recebi terça-feira um texto que merecia ser lido e divulgado de imediato, tanto pela sua importância quanto pela qualidade, mas infelizmente isso não pode acontecer. São 104 páginas sobre Bombas, um Quilombo praticamente invisível, acessado por uma picada lamacenta e escorregadia, entre morros e matos, por onde doentes são carregados em macas improvisadas pela comunidade, grávidas parem em condições inadequadas, doentes graves morrem no meio do caminho.

Nada disso impediu, entretanto, que a cobiça lá chegasse, reivindicando parte das terras. Ou que a insensibilidade do Estado decidisse fazer cair sobre outras tantas – exatamente as áreas de nascentes, inclusive – uma dessas chamadas ‘unidades de conservação de proteção integral’, que no geral só ‘desprotegem’ a tudo e a todos: aos que até então protegiam a natureza, e a ela própria, que se arrisca a sucumbir em seguida à sanha de madeireiros, abrindo caminho para outros tantos invasores do capital.

Em dezembro, entretanto, essa picada foi percorrida ao longo de três horas por uma pessoa que não conheço pessoalmente, mas por quem aprendi a ter um respeito que só faz aumentar, cada vez que dele tenho notícias: o Defensor Público Andrew Toshio Hayama, do Vale do Ribeira, São Paulo. E a consequência de sua aventura em meio à mata e às escorregadelas, seguida de dois dias de acampamento junto à comunidade, teve como resultado uma Ação Civil Pública ajuizada segunda-feira última, 31. São dela as 104 páginas que se lê com prazer e respeito, na medida em que, no seu melhor estilo, Toshio mistura literatura, indignação, história e direito, honrando o que deveria ser (mas infelizmente nem sempre é assim entendido!) o papel da Defensoria Pública.  

Como escreveu em resposta alguém que se assinou simplesmente Ton, Toshio “realmente entendeu  o que é ser um advogado, um defensor. Se colocou de forma profunda na lugar do outro, de modo a entender seu problema e defendê-lo como estivesse defendendo a si próprio”.

Assino essa declaração com prazer e espero que, como resposta a essa atitude, a Justiça se faça, reconhecendo os direitos da comunidade Quilombola de Bombas, determinando a abertura de uma estrada que dê a ela condições dignas de acesso na medida em que isso se faça necessário, exigindo que a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo respeite os direitos dos remanescentes quilombolas, de acordo com a Constituição de 1988 e a Convenção 169 da OIT, entre outras leis, contra um conservacionismo nefasto.

Antes de parar e só para dar um ‘gostinho’, posto, abaixo, o início da ACP. Para lê-la inteira (e com certeza vale fazê-lo!), basta clicar AQUI. E parabéns, Andrew Toshio Hayama! Você nos dignifica e à Defensoria Pública.

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BOMBAS, UM LUGAR PARA ESTAR COM DEUS[1]

Dai-me, Senhor, o lábio puro,
E a mão mais pura do que o lábio.
Dai-me, Senhor, a pupila da pomba, 
E o pé mais sábio do que esta pupila.
Pois com o lábio roçarei a pele do mundo, 
E com a mão me sentirei parente da pedra, 
E com a pupila verei a dança das palmas ao vento,
E com o pé saberei o vasto rumor dos caminhos.
 
Helio Pellegrino, Lucidez Embriagada

Em dezembro do ano de 2013, este Defensor Público esteve em Bombas, lá permanecendo acampado por dois dias. Palmilhou, por fatigantes 03 horas, a tortuosa e lamacenta trilha, escorregando e tombando incontáveis vezes, que leva à resistente comunidade quilombola, quiçá a mais olvidada delas.[2] O povo belo e acolhedor, a exuberante paisagem por eles preservada, a riqueza cultural e a paz espiritual compensam o sofrimento e fazem a visita valer a pena.[3]

No entanto, isolamento, hoje, não significa, como outrora, refúgio e proteção para os quilombolas,[4] mas abandono e invisibilidade. A palavra de ordem é reconhecimento, pois há toda uma história a resgatar e dignidade a reafirmar.

Para além das políticas de compensação e da garantia do mínimo existencial, desperta-se para horizonte mais generoso de emancipação plena e de vida em abundância simbolizado pelo termo etnodesenvolvimento, contemplando atividades como o turismo comunitário de base, o cooperativismo, a agricultura de subsistência e em pequena escala, o extrativismo de baixo impacto ambiental, a gestão sustentável do território, a soberania no uso do conhecimento tradicional etc. Portanto, um mundo todo a ganhar.[5]

(Veja a íntegra AQUI).

 

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