A Defensoria Pública é de quem?, por Paulo Lemos

LOGO_ANADEP“é lamentável e repugnante ver alguns setores da Defensoria Pública Brasileira resistindo e transgredindo esse direito fundamental da cidadania, de ser parte da Instituição, para ficar num ponto específico, descumprindo a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública Brasileira no que toca à previsão de valiosas ferramentas da cidadania, como as do planejamento descentralizado e participativo e das ouvidorias externas”.

Por Paulo Lemos*

O Plenário da Câmara aprovou em primeira votação e sessão extraordinária (19/02) a Proposta de Emenda à Constituição nº 247/2013, de autoria dos deputados Mauro Benevides (PMDB-CE), Alessandro Molon (PT-RJ) e André Moura (PSC-SE), com 392 votos favoráveis, duas abstenções e nenhum voto contrário. Agora, a Câmara aguarda o trânsito do interstício para levar a matéria à segunda votação e consagrar esse resultado histórico, antes de remetê-la ao Senado Federal, para apreciação e deliberação terminativa, se não houver alteração. Isso porque não há necessidade de sanção presidencial para que uma PEC seja promulgada e passe a vigorar.

O texto da PEC 247/2013 é curto; e sem maiores rodeios determina que “no prazo de oito anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionadas (…)”, sendo que, a respectiva lotação deverá ocorrer, prioritariamente, “atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional”.

Grosso modo, a Defensoria Pública seria o SUS do Sistema de Justiça. Porém, diferente daquele, a Defensoria Pública não só enfrenta hoje (passados mais de 25 anos do advento da Constituição Federal da República) o desafio de elevar a qualidade dos seus serviços e de se aproximar e interagir mais com a sociedade civil, como ainda amarga esmagadora limitação geográfica, cobrindo apenas cerca de trinta por cento do território brasileiro, tendo como parâmetro o total de comarcas existentes, segundo estudo realizado pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) e também do Ministério da Justiça do Governo Federal. Portanto, os serviços de assistência jurídica plena e gratuita ainda não são universais, coexistindo, lado a lado, quem tenha seus direitos assegurados e quem tenha seus direitos fundamentais e essenciais para realização da vida negados. Há um apartheid humanitário nessa questão. Um déficit de cidadania.

À guisa de exemplo, em Mato Grosso, aproximadamente 30 comarcas estão hodiernamente desprovidas da atenção e atuação da Defensoria Pública, o que contribui para o aprofundamento das desigualdades sociais e da elevação da violência e criminalidade, entre outros males latentes e existentes. Ora, como construir uma sociedade justa e solidária sobre uma realidade em que crianças e idosos padecem por não terem acesso à justiça para garantir tratamento de saúde ou a integridade alimentar, física e psicológica dos mesmos. Como exigir a mudança do sujeito submetido ao Sistema Carcerário se não goza de defesa plena para evitar sua subjugação às penas cruéis e garantir condições básicas de sobrevivência, vivência e convivência humana nesses lugares, enquanto cumprem a dura pena de restrição de liberdade, de afastamento de seus familiares etc.. Como condenar esse sujeito que se enveredou pelas raias do mundo do crime, se quando precisou do Estado e da sociedade todos os seus direitos foram escamoteados, inclusive, os de viver e sobreviver.

Por isso, sem sombra de dúvidas, a aprovação da PEC 247/2013 significa uma vitória para a cidadania e, em primeiro lugar, para a dignidade da pessoa humana, pela busca obstinada da efetivação dos direitos de acesso à justiça, à defesa e a se ter direitos, principalmente na esfera dos direitos cívicos e sociais, do indivíduo ao coletivo, ou melhor, da pessoa humana à sociedade como um todo. Sim, a sociedade vibra e comemora esse resultado.

Agora, da mesma forma que a sociedade sempre apoiou a Defensoria Pública Brasileira, é razoável e devido que a Defensoria Pública Brasileira apóie a sociedade. Não só na prática direta e tradicional da assistência jurídica plena e gratuita aos destinatários dos serviços a serem prestados e já prestados. Mas, também, no respeito ao direito fundamental do conjunto da cidadania de ser parte na definição dos desígnios da Instituição, conforme consenso conquistado entre o ordenamento jurídico nacional e internacional, derivado dos axiomas da república e da democracia.

Nesse sentido, é lamentável e repugnante ver alguns setores da Defensoria Pública Brasileira resistindo e transgredindo esse direito fundamental da cidadania, de ser parte da Instituição, para ficar num ponto específico, descumprindo a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública Brasileira no que toca à previsão de valiosas ferramentas da cidadania, como as do planejamento descentralizado e participativo e das ouvidorias externas.

O escalabro é tão grande e aviltante que, em alguns casos, como nos das Defensorias Públicas do Estado do Rio de Janeiro e Paraíba, os respectivos Conselhos Superiores, por maioria, “manobraram”, premeditada e dolosamente, para elevar ao posto de ouvidor externo membro da carreira de defensor público aposentado, quando a lei expressamente diz que membro de carreira de defensor público não pode ocupar esse cargo. Em momento algum ela diz que essa restrição deva ser observada apenas pelos membros ativos. A idéia da ouvidoria externa da Defensoria Pública Brasileira, tal como prevista no artigo 105 da LC nº 80/94, por inspiração no modelo exitoso das ouvidorias externas de polícia em São Paulo e, a princípio, das Defensorias Públicas de São Paulo e Bahia, é o de trazer a sociedade civil organizada para dentro da Instituição, mediante a escolha de um integrante que parta dela e a ela tão somente represente.

Não fosse suficiente, apesar de a lei ditar que os planos anuais das respectivas Defensorias Públicas estaduais devem ser aprovados pelos seus Conselhos Superiores, onde os ouvidores externos possuem assentos natos, esse mandamento não vem sendo observado por algumas Defensorias Públicas. Em Mato Grosso, já houve até caso de obstrução de acesso ao Plano de Trabalho Anual em execução, oficialmente solicitado, e de interdição do debate acerca de projetos de lei encaminhados ao Legislativo, como se fossem documentos sigilosos, atos secretos.

Essa cultura centralizadora e obscurantista, de baixa densidade democrática, onde as prioridades da Instituição são definidas dentro de gabinetes, a portas fechadas, sem participação popular, remonta aos porões da ditadura militar. Qual parte da Constituição não foi compreendida quando ela diz que o soberano é o povo, e não os representantes do povo?

Ainda, existem rumores de um lobby clandestino supostamente patrocinado por apóstotas da República para excluir o Colégio de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil do anteprojeto do Conselho Nacional da Defensoria Pública. Absurdo!

Assim, ou essas Defensorias Públicas corrigem esses equívocos, essas ilegalidades, essas nulidades, essas imoralidades, ou a interpretação da sociedade forçosamente será a de que para elas a lei só vale naquilo que lhes interessa para saciar seus desejos corporativistas. E, como se sabe, para todas as escolhas dessa vida, há de se haver conseqüências. Algumas delas: o da descrença, desesperança e desamor por parte da sociedade, bem como o da ilegitimidade das pretensões da Defensoria Pública Brasileira, na hipótese de refugar o apoio e o poder popular.

Paulo Lemos é Presidente do Colégio de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil e Ouvidor da Defensoria Pública de Mato Grosso, além de advogado.  

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva. Grifos deste blog.

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