A metástase do “Velho Chico”

Rio São Francisco (Foto: João Zinclar)
Rio São Francisco (Foto: João Zinclar)

Por Antonio Jackson Borges Lima*, Articulação São Francisco Vivo

O estado de coma do rio São Francisco, nosso maior patrimônio afetivo de brasilidade ambiental, vem sendo anunciado desde os anos de 1970, quando sua saúde piorou, com o implante da válvula cardíaca de Sobradinho, responsável pela sua oscilante pulsação. A bioética, que estuda a relação e a responsabilidade do homem com a vida, define como distanásia o seu quadro ambiental atual, cuja morte vem acontecendo de forma apática, lenta e sofrida.

Acometido gravemente pela infecção generalizada do assoreamento, seu corpo está definhando lentamente, deixando à mostra suas longas costelas arenosas, em forma de bancos de areia, sob um couro hídrico, fino e enrugado, características próprias de um estado ambientalmente cadavérico.

Seus fundos olhos d´água, minguando lágrimas de carência, estão demarcados pelas olheiras da escassez de umidade, decorrente do aumentado a sua temperatura, provocado pela febre globalizada do aquecimento. 

Sua pele, em forma de floresta, caatinga e cerrado, afetada pelas feridas das queimadas e dos desmatamentos criminosos, apresenta uma palidez desbotada, própria de uma anemia profunda, de quem teve seu ferro e outras riquezas minerais furtadas pelo vírus da ganância.

A contaminação do seu sangue, em forma de água corrente, pelos dejetos dos esgotos de todas as suas cidades, continua a esperar pelo genérico enganoso da revitalização, comprovadamente mais um embuste politiqueiro oficial.

Os agrotóxicos, receitados em doses cavalares e sem nenhum controle, pelos carniceiros do agronegócio, vão tirando-lhe a imunidade, ajudando a inflamar a ferida social da sua pobreza crônica e exterminando a sua biota, principalmente a ictiofauna, ameaçada também pela micose predatória, decorrente do fungo da impunidade e da falta de fiscalização.

Suas veias, em forma de afluentes, vão sendo entupidas pela gordura da indiferença generalizada, principalmente aos seus comitês, responsáveis pelo controle de qualidade e quantidade do alimento que é colocado, diariamente em sua bacia.

Suas embarcações tradicionais, outrora responsáveis pela ligação afetiva de suas artérias com a sua gente e pelo transporte orgulhoso de seus nutrientes, em forma de riquezas produzidas, viraram focos de lixões, como se fosse uma alergia incurável, disseminada pelas suas margens feridas pela total degradação.

Sua potência energética, outrora responsável pelo desenvolvimento de todo o Nordeste, tornou-se vexatória e saudosista, coisa de velho, do tempo em que penetrava profundo no mar e gerava muitas vidas.

Sua displasia prostática, em forma de barragens, responsável pela retenção de seu fluxo hídrico, ficará mais comprometida ainda, pelas sequelas de uma cirurgia desastrosa, tecnicamente chamada de transposição, operada por uma equipe amouca ao seu chefe, um charlatão oportunista, formado na clandestinidade da periferia política da ditadura militar, atualmente todo poderoso, querendo brincar de ser Deus.

Como se não bastasse tudo isto, os vândalos da insensatez oficial, agora falam em introduzir em seu corpo, cateteres em forma de usinas nucleares, na tentativa de repor a energia consumida pela tragédia da própria transposição, equivalente aos estados de Sergipe e Alagoas juntos, implantando um terrorismo endêmico desassossegador, anunciando o caos final, com o enriquecendo do urânio e de seus defensores e o empobrecimento de suas defesas naturais com radiação nuclear.

Amenizando as suas dores, na tentativa de salvá-lo, o seu comitê de bacia vai funcionando como uma precária UTI, com alguns médicos dedicados, que comparado ao do rio Sena, na Europa, que arrecada mais de um bilhão de euros por ano, vai medicando as suas migalhas, em forma de analgésicos e curativos ambientais, tentando prolongar a vida de um paciente muito querido.

Apesar de todos os seus males, ainda curáveis, a causa principal de sua morte é o tumor maligno da política, disseminador da neoplasia degenerativa ambiental e social, responsável pela metástase do seu abandono.

*Antonio Jackson Borges Lima, Diretor fundador do Museu Ambiental Casa do “Velho Chico”.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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