Com Henfil, HQ nunca foi tão brasileira

HenfilPor Rafael S. N. Mendonça, especial para O Tempo

Henrique de Souza Filho nasceu em Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, em 1944, e neste 5 de fevereiro completaria 70 anos, se, em 4 de janeiro de 1988, a Aids contraída em uma sessão de transfusão de sangue, que ele necessitava por ser hemofílico, não o tivesse derrubado. Ele foi um dos mais inventivos, politizados e geniais mestres do quadrinho brasileiro. Usou como poucos a sua arte para lutar contra a ditadura e em favor de campanhas políticas, como a Anistia e as Diretas Já! (inclusive, criando este slogan). E se você ainda não ligou o nome à importância de seu apelido, trata-se de Henfil, o criador de personagens como os Fradinhos, Cumprido e Baixim, Graúna, Bode Orelana e Capitão Zeferino, que deixou sua marca em todas as gerações de artistas dos quadrinhos que vieram depois dele.

No Rio um evento marcará a data: 70 anos de Henfil – Morro, Mas Meu Desenho Fica homenageia o artista com um debate que reúne personalidades como o ator e diretor Paulo Betti, o cartunista Chico Caruso, o jornalista Tárik de Souza e o artista Nelsinho Rodrigues. No mesmo evento, a organização Henfil – Educação e Sustentabilidade, em parceira com o Instituto Henfil, do Rio de Janeiro, lançará no Museu da República as edições 4, 5, 6, 7 e 31 da Coleção Fradim, originalmente publicada entre 1971 e 1980.

Segundo informações da assessoria do Henfil – Educação e Sustentabilidade, os editores estão em um esforço conjunto para lançar todas as edições restantes – de 31, já foram lançadas 12 – até março.

Henfil - personagensLegado. Henfil publicou seus primeiros desenhos na “Revista Alterosas”, em 1964, e no “Diário de Minas”, em 1965. Mas só passou a ficar nacionalmente conhecido por volta de 1967, quando, simultaneamente, seu trabalho começou a ser publicado no “Jornal dos Sports”, do Rio de Janeiro, e em colaborações para as revistas “Placar”, “Visão”, “Realidade” e “O Cruzeiro”. Em 1969, se mudou para o Rio. Com a criação de “O Pasquim” e seus trabalhos sendo também publicados pelo “Jornal do Brasil”, deu-se início à fase mais importante de sua carreira, a qual deixou marcas na cultura brasileira.

Gual, um dos criadores do Prêmio HQ MIX e estudioso dos quadrinhos, fala sobre o impacto que foi ver o trabalho de Henfil pela primeira vez. “Eu não encontrava um grito de desafio contra a ditadura militar e a realidade nacional. Faltava um novo traço. Um traço com a energia e a dinâmica daquela época. Um traço com a nossa cara. Faltava uma voz rebelde e aguda para mexer nos tabus e feridas sociais. Um dia, folheando ‘O Pasquim’, encontrei nos desenhos do Henfil mais do que desejava. Ali estava uma virada de página. Um novo capítulo nos quadrinhos, charges e cartuns mundiais. Mais tarde, fui entender que era mais do que isso: Henfil era um gênio da raça!”

A cartunista Laerte Coutinho fala de como o conheceu e também da sua importância para a própria geração. “Já havia me encontrado com o Henfil, se não me engano em um Salão do Humor de Piracicaba. Mas em 1975, quando preparávamos um trabalho onde vários cartunistas desenhariam pombas, tive um contato mais próximo. Ele me ajudou demais com a turma do ‘Pasquim’, que era o epicentro do que era produzido no Brasil”.

Nilson Adelino Azevedo, cartunista, teve com ele uma longa e próxima convivência, desde jovem. Foi convidado a dividir o mitológico apartamento em Higienópolis, onde morou ao lado de Glauco, Laerte e Angeli. Transitaram por lá a mais variada gama de artistas, retornados do exílio, e todo o rol de personagens da época. Viviam em uma espécie de comuna, onde eram alimentados para o desenho e para a vida pelo já ícone Henfil.

Para Nilson, a importância de Henfil está associada a um momento em que o humor passou a ter uma capacidade de influenciar a vida dos brasileiros. “‘O Pasquim’ passou a representar tudo que a ditadura era contra, e isso não seria nada se a população não tivesse correspondido. E o Henfil foi o cara que ajudou a firmar isso, com o sucesso dos Fradinhos. A consciência política levou o humor a interferir na realidade”, afirma o cartunista, na visão de quem Henfil era workaholic, já que realizou publicações, revistas, livros, programas de TV, cinema.

Os Fradinhos são um capítulo à parte na carreira de Henfil. São um ato político importantíssimo para a época, que falava diretamente à hipocrisia da sociedade brasileira e, ainda hoje, nos faz rir de nós mesmos, o que dá a impressão de terem sido criados no ano passado.

Mas Henfil não era cartunista de um personagem só. Sobre isso, é o Gual quem detalha: “Com os Fradinhos, Henfil cutucou o nosso atraso cultural e falsa moral. Com a Graúna, trouxe a nossa dura realidade. Com as charges futebolísticas, cheias de sequências quadrinhísticas, apresenta o espírito do brasileiro. Outros personagens, como Ubaldo, Cabôco Mamadô, Tamanduá, Orelhão e os demais, representam a nova visão do brasileiro de ‘Casa-Grande & Senzala’. Nunca nossas HQs tinham sido tão brasileiras!”.

Causo

Conta-se que, quando Henfil decidiu matar os Fradinhos, a redação do “Pasquim” se reuniu com ele para fazê-lo mudar de ideia. O mesmo teria ocorrido no “Jornal do Brasil” em relação à Graúna.

O que falam dele

“Henfil me embalou. Me fez pensar criticamente quando eu ainda era jovem. Seu traço é incrível. Toda a minha admiração.”

Lourenço Mutarelli, Quadrinista e Escritor

“Henfil tinha uma frase que dizia o seguinte: ‘Quando o fascismo ou uma Ditadura quer se estabelecer plenamente, a primeira atitude é tentar calar os humoristas’. Este pensamento nunca esteve tão atual, haja visto o fato de hoje o humor estar na berlinda”.

Duke, Cartunista

“Henfil foi um quadrinista fenomenal. Suas histórias eram subversivas não só pelo conteúdo, mas também pela forma. Seu traço rápido e fluido e o uso do branco da página como elemento narrativo rompiam com os padrões vigentes”.

Afonso Andrade, Coordenador de Quadrinhos da FMC

“Henfil foi um gênio, que combinou um traço extremamente original, inconfundível, com um humor implacável, frequentemente negro, não deixando pedra sobre pedra da hipocrisia moral, política e social que cimenta nossa sociedade.”

Jose Geraldo Couto, Jornalista

“O Henfil é um cara que tem muito o que ensinar para o cenário atual de humor gráfico e cartunismo: ele não fazia humor a favor. Também não buscava agradar, ou preservar-se de que lhe impingissem tal e tal rótulo. Ele sabia que os ideólogos são bestas fascistas, de qualquer lado que estejam do prisma político. Era um artista e um pensador.

Rafael Campos Rocha, Quadrinista, criador de “Deus, essa Gostosa” 

“Salão de Humor de Piracicaba, 1977. Eu, com 15 anos de idade e meu primeiro desenho publicado debaixo do braço. Homérica fila de autógrafos do Henfil. Mantive-me sempre no fim da fila, deixando todos passarem minha frente.

Não queria um autógrafo, queria mostrar meu trabalho. Um Henfil cansado sacou a caneta, mas eu o interrompi. ‘Queria uma opinião sua sobre minha charge’. Ele olhou com muito carinho e me devolveu o jornal: ‘Vou te dar uma dica’, disse ele. ‘Jamais volte a pedir a opinião de um colega de trabalho’. Tocou meu ombro com carinho e se foi. Fiquei lá parado, olhando meu desenho impresso com o olhar que, até então, não tinha depositado. Como um dogma. Mestre Henfil em sua melhor forma”.

Francisco Marcatti, Quadrinista

Mais:

video Solidariedade e trabalho marcaram o artista até o fim  

Fradim 7

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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