Patrícia Bonilha, de Brasília, Cimi
De um jeito bonito e emocionante, o povo Xukuru Kariri despediu-se de seu líder Gecinaldo Xukuru-Kariri no último dia 22. Seguindo as tradições da comunidade, após uma longa caminhada por caminhos estreitos na terra onde vivem, seu corpo foi plantado na mata de sua própria aldeia, a Fazenda Canto, ao som do toré e com a realização dos rituais espirituais do Ouricuri.
Ao lado de Maninha, outra guerreira histórica dos Xukuru Kariri, Gecinaldo atuou na organização do seu povo e, dentre várias ações, na articulação da Comissão de Articulação Indígena Leste e Oeste, em 1990, que posteriormente deu origem à Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Assim como Maninha, Gecinaldo também foi vítima do descaso e da negligência médica.
Desse modo, apesar do vazio que fica, até mesmo a sua precoce morte torna-se estímulo/alimento para os Xukuru Kariri continuarem na luta pelos seus direitos e pela terra que tradicionalmente lhes pertence. Até que a dignidade seja garantida a todos.
Leia abaixo artigo do jornalista Jorge Vieira:
Gecinaldo Xukuru: um guerreiro de volta à Mãe Terra
Mais um guerreiro de volta à Mãe Terra. Ao amanhecer, estava estampado na página do facebook uma foto com a informação do falecimento da liderança Xukuru Kariri, Gecinaldo Ferreira. Segundo informações preliminares, encontrava-se em tratamento no Hospital de Palmeira dos Índios, inicialmente diagnosticado pelo médico de plantão com suspeita de infecção intestinal, onde foi medicado e enviado para casa; em consequência do aumento das dores, foi levado de volta ao hospital, onde sofreu uma intervenção cirúrgica, que acabou na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e no falecimento. Do ponto de vista médico, fica aí a interrogação por que não foi feito imediatamente o exame específico para identificar a real causa do sintoma.
Em quase três décadas de convivência, testemunha-se o grande lutador e defensor dos direitos indígenas, que organizou a Associação Indígena Xukuru Kariri, tornou-se militante do Partido dos Trabalhadores (PT), defendeu uma assistência de qualidade da saúde indígena, dirigiu o Conselho Indígena de Saúde Indígena de Alagoas e Sergipe, além de ter dedicado a vida à luta pela demarcação do território tradicional Xukuru Kariri.
Gecinaldo faz parte de uma geração de guerreiros indígenas que lutou pela garantia dos direitos indígenas, destacando-se o pajé Miguel Celestino, João Tomás Pankararu, Quitéria Celestino, Maninha Xukuru Kariri e os Xukuru de Ororubá (PE), Xicão e Chico Quelé, como tantos outros que dedicaram suas vidas à defesa dos seus povos.
Em sua trajetória de vida, destacou-se pela sua capacidade política de organização interna e de diálogo com outros grupos indígenas e com a sociedade nacional. De forma coerente com os seus princípios, manteve-se firme na defesa da terra, da saúde, da educação e de projetos de desenvolvimento agrícola. Duas características destacam-se em sua atuação política: o compromisso firme com as causas dos povos indígenas e a habilidade na condução dos conflitos e negociação com os seus interlocutores.
Avaliando a sua história de vida, como esposo dedicado, pai carinhoso e militante dócil, Gecinaldo deixa um legado de experiência para os presentes e para as futuras gerações. No seio familiar, preparou o filho Gecinaldo Xukuru, professor e liderança indígena, para continuar o seu legado. Observa-se que, com o pai ele aprendeu o compromisso com a defesa dos direitos indígenas e a firmeza na retomada da terra, memória que, junto com os seus parentes e aliados, o dará força e habilidade política na condução das lutas Xukuru Kariri e dos povos indígenas do Brasil.
Os povos indígenas do Brasil perdem um líder, especialmente o povo Xukuru Kariri, como tantos outros que voltaram para o seio da Mãe Terra, mas ganharam a memória de um herói vencedor e um ente mítico que entra no mundo sagrado da cosmologia espiritual dos Encantados, de onde irá dirigir e conduzir a vida e as lutas do povo Xukuru Kariri.