Aldeia Sateré-Mawé preserva cultura com ritual da tucandeira

Os adolescentes Waytá e Marcilene descansam após participarem do ritual (Foto: Elaíze Farias)
Os adolescentes Waytá e Marcilene descansam após participarem do ritual (Fotos: Elaíze Farias)

Elaíze Farias, Amazônia Real

Desde que passou a viver em uma comunidade da Vila Ariaú, no município de Manacapuru (a 79 quilômetros de Manaus), a indígena Zelinda da Silva Freitas, de 60 anos, carrega a tradição do ritual da tucandeira com sua família. Baku, seu nome na língua sateré-mawé, veio da aldeia Ponta Alegre, em Barreirinha (a 331 quilômetros de Manaus), com o marido Benedito (Acey em sateré-mawé) e quatro filhos.

Junto com a prática do artesanato (de onde tira parte de seu sustento), Baku promove todos os anos na aldeia Sahu-Apé um encontro onde meninos têm suas mãos ferradas por 100 formigas tucandeiras em um conhecido, admirado e, ao mesmo tempo assustador, ritual de iniciação para a vida adulta.

Ao enfiar as mãos em uma luva cheia de formigas durante aproximadamente 20 minutos, o menino não apenas demonstra estar apto para vida, mas também ganha respeito e admiração, além da certeza de que está protegido contra várias doenças. A tucandeira é uma formiga cuja picada do ferrão provoca dores durante quase 24 horas.

Um desses “encontros” aconteceu na semana passada, com encerramento no sábado (23). Dezoito meninos (incluindo duas meninas) participaram do “Encontro dos Guerreiros”, como foi batizada a programação.

Somente de Sahu-Apé, sete adolescentes, incluindo uma menina, ferrados. O restante era proveniente de outras comunidades sateré-mawé localizadas na zona rural de Manaus.

Indígenas dançam e cantam durante ritual da tucandeira
Indígenas dançam e cantam durante ritual da tucandeira

Menina também pode

São necessárias 20 sessões, no mínimo, para completar o ritual. Geralmente, adolescentes conseguem terminar o ciclo antes dos 18 anos. Ou chegam perto. Um desses garotos era Elenilson da Silva Sobrinho, de nome indígena Waytá, de 13 anos. Com o braço estendido, inchado e pintado de tinta de jenipapo, Waytá ora dançava para “esquentar o corpo” e suar, ora descansava no canto da maloca.

“Já fiz 18 vezes. Faltam só duas, mas espero continuar fazendo mais de 20”, disse o menino, com as feições mais tranquilas depois de uma nova sessão, embora sua mão continuasse dolorida.

Waytá estava sempre acompanhado da namorada Marcilene da Costa, 15, indígena sateré-mawé, que também passou pelo ritual duas vezes neste “encontro”. A aceitação de mulheres no ritual tem sido comum nos últimos três anos na aldeia Sahu-Apé. É que o ritual, embora tradicionalmente masculino, se expandiu para outros gêneros e até pessoas que não é indígena pode participar.

“Eu me ferrei porque gosto, acho bonito e quero provar que a mulher também tem coragem. É uma forma de mostrar a nossa cultura”, disse Marcilene, ainda com as mãos latejando.

Morador de uma comunidade da etnia cambeba, no município de Manacapuru, Elton Jones da Silva, 21, também se submeteu ao ritual. Disse que começou a “se ferrar” quando namorava uma indígena sateré-mawé (de quem já se separou) e conheceu a comunidade Sahu-Apé. Elton ainda não completou as 20 sessões, mas afirma que sempre que tiver oportunidade vai participar de outras sessões.

Tuxaua de Sahu-Apé, Baku mantém tradição dos índios sateré-mawé em sua comunidade
Tuxaua de Sahu-Apé, Baku mantém tradição dos índios sateré-mawé em sua comunidade

Matriarca

Sahu-Apé foi fundada há aproximadamente 20 anos. Na comunidade vivem 14 famílias e mais de 50 pessoas. O local, mesmo reconhecido, ainda não tem regularização da Fundação Nacional do Índio (Funai), embora seus moradores já tenham solicitado a titulação.

A comunidade está localizada à margem do rio Ariaú, afluente do rio Negro, e se destaca na vila pela preservação da vegetação nativa. O local tem uma pequena trilha de acesso às casas (a maioria feita de madeira e palha) e é rodeado por uma floresta que fica submersa na época da cheia do rio Negro.

É também na comunidade Sahu-Apé onde está enterrada Tereza Ferreira de Souza, considerada a matriarca dos indígenas sateré-mawé que se deslocaram para Manaus e cidades vizinhas há algumas décadas. Ela morreu em março deste ano aos 97 anos.

Tereza teve nove filhos, a maioria mulheres, e todos se destacaram como importantes lideranças indígenas na capital e como alvo de pesquisa acadêmica sobre o deslocamento de famílias de sua aldeia de origem e a ressignificação de sua cultura em um local diferente. Uma delas foi Zenilda da Silva, já falecida, fundadora da Associação das Mulheres Indígenas Sateré-Mawé.

Baku é a única das irmãs que também desenvolveu talentos para a medicina tradicional indígena. Por este motivo, também é considerada pajé. Em sua comunidade, ela mantém um espaço com produtos feitos a partir de plantas que ela retira da mata, além do conhecimento que obtém dos espíritos da floresta.

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