Deborah Duprat: Uma luta contra a lentidão

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Folha de S.Paulo – Em 20 de novembro, comemorado como o Dia da Consciência Negra, costuma-se repetir um ritual: o governo federal anuncia medidas dirigidas à população negra voltadas à correção das desigualdades raciais e à promoção da equidade de oportunidades.

Espera-se que, neste 2013, algo ocorra em relação às comunidades de remanescentes de quilombos, apesar de o tema ainda estar cercado de um misto de preconceito, desconhecimento e resistência.

Não obstante haja um consenso relativamente tranquilo quanto ao caráter emancipatório e libertador da Constituição de 1988, e se avancem, ainda que com percalços, as lutas das mulheres, das pessoas com deficiência, da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), dos povos indígenas e mesmo da população negra, as comunidades quilombolas, aparentemente, são vistas fora desse contexto.

É bem verdade que o sistema hegemônico do período anterior foi bastante eficaz na invisibilidade dessas comunidades. A menção a quilombos fazia evocar Palmares e os remetia a um passado condenado aos livros de história.

Excluídas da sociedade de grande formato, ausentes dos mapas e dos censos, essas comunidades, que nada tinham a perder, transformaram sua tragédia em um capital formidavelmente poderoso no processo constituinte: foram reconhecidas como sujeitos de direito e proprietárias das terras que tradicionalmente ocupavam. Inseriam-se, assim como outros atores, no espaço agora plural da sociedade nacional.

Aparentemente, também se tornaram visíveis. Dados oficiais fornecidos pela Fundação Cultural Palmares e atualizados até 25 de outubro de 2013, dão conta da existência de 2.007 comunidades certificadas desde 2004 até o momento.

Volta e meia, no entanto, veem impugnadas essas certificações, o que revela resquício ainda presente de práticas hegemônicas, principalmente aquela das classificações/oposições binárias: nós/eles.

Convém lembrar que, nesses dualismos, um dos termos é sempre valorizado: um é a norma, o normal; o outro, o desviante, de fora. Por isso, é intuitivo que, numa sociedade plural, nenhum grupo tenha o poder das designações, das definições. Não há um centro determinado que produza identidades fixas, mas identidades afirmadas pelos próprios atores sociais, singular e/ou coletivamente, e mobilizadas politicamente.

Mas o quadro realmente desalentador é o da regularização fundiária. Passados 25 anos da atual Constituição e dez anos do decreto nº 4.887 –que regulamenta o processo de titulação das áreas quilombolas–, tem-se, segundo dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), de 2004 a 2012, 92 áreas tituladas: 23 pelo governo federal; 69 pelo estadual.

Se persistir esse ritmo, as 2.007 comunidades certificadas pela Palmares terão que aguardar aproximadamente 175 anos para que todos os processos a elas pertinentes estejam concluídos.

Concede-se, como dito acima, que parte dos problemas, situados especialmente no início dessa política, é resultado de desconhecimento. Não se passa de uma sociedade hegemônica para uma sociedade plural sem perplexidades e dúvidas.

Mas não é mais possível se valer desse discurso. Há estruturas administrativas voltadas ao tema que se presumem capazes de realizar o direito previsto na Constituição.

Terry Eagleton lembra que “a morte nos mostra a natureza essencialmente indomável de nossas vidas e, consequentemente, algo de equívoco de tentar dominar a vida de outros”. Pierre Bourdieu, por sua vez, adverte que uma das formas mais eficazes de controle do outro é a do seu tempo.

Por isso, a luta que se faz necessária é por uma administração mais célere, curiosa e atenta à novidade do que nostálgica de suas certezas.

*Subprocuradora-geral da República e coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

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