Bayou Corne – Um povoado sacrificado pelo fracking

O que você vê nesta foto é o pântano original antes da intervenção da empresa Texas Brine
O que você vê nesta foto é o pântano original antes da intervenção da empresa Texas Brine

Dr. Carlos A. Seara* – Em agosto de 2012, depois de 3 meses de terremotos ininterruptos de variadas intensidades  e da água efervescer como refrigerante ou cerveja,  o pântano de “Assunção” – Estado da Louisiana, EUA, com 5.000 m2 ( ½ acre) cercado por densa vegetação – teve sua área expandida até atingir 240.000 m2 (24 hectares),  com a vegetação em volta entrando em colapso como se tivesse sido atingida pelas labaredas de um dragão gigante surgido das profundezas. Depois deste acidente, a pequena cidade de Bayou Corne, com 350 moradores, teve que ser totalmente evacuada.

A Texas Brine é uma empresa petroquímica dedicada ao fracking que arrendou a antiga mineradora de sal, atualmente fechada, localizada no domo de Napoleonville, perto de onde vive a população de Bayou Corne.  Ali  a empresa fazia a descarga dos resíduos líquidos tóxicos recuperados dos poços de fratura hidráulica.

Existem muitas empresas que fazem esse tipo de operação no subsolo,  injetando os resíduos líquidos [tóxicos] recuperados do poço de fracking – sem quaisquer estudos de impacto ambiental sobre as características do solo onde os resíduos serão descarregados, nem sobre a composição química dos resíduos, para poderem avaliar se há compatibilidade entre eles. É importante notar que esses resíduos contêm, em geral, metais tóxicos para os aquíferos subterrâneos; e que são muito agressivos também por conta de seu pH (hidrogênio trocável) de alta acidez, capazes de dissolver rochas de composição carbonática.

Em 02 de agosto de 2013, o Estado da Louisiana processou a empresa por danos ambientais e proibiu a descarga de resíduo líquido nos antigos túneis da mina, onde anteriormente, como já mencionado, se extraía sal (cloreto de sódio).

Estado do pântano depois das descargas de resíduo de fracking da Texas Brine no subsolo
Estado do pântano depois das descargas de resíduo de fracking da Texas Brine no subsolo

Nos Estados Unidos é comum a existência de domos de sal, resultado da injeção de soluções com alta concentração de cloretos nas rachaduras e fissuras das rochas pré-existentes, especialmente as sedimentares sujeitas a dissoluções como é o caso do calcário. Este, ao se aproximar da superfície e ser influenciado por climas úmidos ou pela presença de água, desenvolve uma paisagem muito especial chamada “cárstica” onde dominam as geoformas derivadas da dissolução: cavernas, galerias, túneis, rios subterrâneos, etc .  muito comuns nesta paisagem .

A presença dos domos salinos tem muita familiaridade com este tipo de formação e com eles se podem encontrar concentrações de água salgada, gás ou óleo facilmente exploráveis e muitas vezes com afloramento natural, devido à pressão exercida por essa estrutura geológica.

Os calcários são, essencialmente, as “cascas” ou as cobertas do ambiente cárstico, e o seu enfraquecimento pela erosão natural ou de causa antropogênica depende de que se desenvolvam geoformas que conectam as profundezas com a superfície através de acidentes típicos da paisagem tais como “dolinas”, “grotas”, “poços”, etc.

Nestes casos, os “sumidouros” exigem que as águas de superfície passem a integrar circuitos subterrâneos onde a contaminação por substâncias tóxicas ou produtos químicos indesejáveis ficam mascarados num primeiro momento, até que a natureza se encarregue de ligar o alarme da anormalidade.

Bayou Crone chama a atenção pelo que aconteceu lá: uma onda de terremotos na região e forte efervescência das águas do pântano. Os terremotos, naquele caso, não aconteceram por sismicidade natural, pois esse tipo de ocorrência não é típico desses terrenos planos e de origem sedimentar sem dobras nem fraturas posteriores à deposição, além de estarem distantes de áreas montanhosas e de estruturas de caráter regional.

A sismicidade que afetou Crone Bayou é do tipo considerado como induzido por desequilíbrios isostáticos causados pela intervenção humana. Blocos de calcário se desprenderam por debilitação e dissolução gerando deslizamentos interiores que afetaram as geoformas cársticas pré-existentes desta paisagem particular, ao que parece por causa do derrame de líquidos contendo produtos de alta toxicidade, uma vez que não havia nenhuma outra variável presente que pudesse gerar tal fenômeno.

Um dos deslizamentos de terra afetou a precária base de Assunção provocando o aumento da sua superfície ao conectar essa base com uma caverna interior, transformando o pântano em um lago com as peculiaridades de uma dolina ou sumidouro cárstico.

O material no qual o sal se alojou é composto de rochas sedimentares de origem diversa, mas principalmente de calcário.

Diagrama de um domo de sal semelhante ao de Bayou Crone, com as correspondentes cavernas e fissuras de dissolução
Diagrama de um domo de sal semelhante ao de Bayou Crone, com as correspondentes cavernas e fissuras de dissolução

Pode acontecer algo parecido na Argentina? 

Bayou Crone não é um patrimônio exclusivo dos EUA, pois as geoformas derivadas da paisagem cárstica, com outros nomes e às vezes com outras características, estão espalhadas por toda a superfície da terra.

Na Espanha, a zona de Cuenca com os desfiladeiros de Huécar ou de Júcar, o Carso italiano, o carste da Morávia ou as cavernas de Makocha na República Tcheca, “Les Gorges du Tarn” na Lozere francesa, o carste cubano, os cenotes mexicanos, o carste brasileiro ou da Guatemala, etc.

Nós argentinos não escapamos das singularidades deste modelo natural, que se espalhou ao longo de muitas províncias e principalmente naquelas compartilhadas com os espaços andinos. Assim, observamos essas formas no sul de Mendoza: a “Caverna das Bruxas”, o “Poço das Almas”, a “Lagoa da Menina Encantada”; em Neuquén, áreas próximas a Loncopué , as cavernas de “Cuchillo Curá” ou a área de Añelo; na região de Sierras Bayas, ambiente de dolomitas na província de Buenos Aires; formações de calcário do depto. Cura- có em La Pampa; podemos acrescentar San Juan, La Rioja, Santa Cruz, etc.

As paragêneses do ambiente cárstico são similares em qualquer lugar do planeta, para as quais, diante de agressões idênticas ou metodologias parecidas, o modelo natural responderá da mesma maneira.

Mesmo com o escasso desenvolvimento do fracking em nosso país, já se identificaram situações particulares próprias deste sistema extrativo no distrito de Las Heras, província de Santa Cruz, onde os terremotos eram desconhecidos.

Diante deste cenário se presume, com muita razão, que os distintos acidentes relacionados ao fracking ocorridos em outros lugares também terão aqui a sua cota de expressão.

*Geólogo.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Zuleica Nycz.

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