No Dia da Consciência Negra, também foram expedidas seis novas recomendações a instituições públicas
Procuradoria Geral da República
O Ministério Público Federal (MPF) ajuíza, nesta quarta-feira, 20 de novembro, sete ações civis públicas visando a agilizar o processo de regularização de territórios quilombolas. Além disso, estão sendo expedidas seis recomendações para instituições públicas. As ações abrangem seis estados brasileiros (veja detalhes abaixo) e se somam a uma série de outras medidas já em andamento.
Ao longo deste mês, o MPF vem realizando mobilização nacional em defesa dos territórios quilombolas, trabalho que culmina neste 20 de novembro, quando é comemorado o Dia da Consciência Negra. Às 14h, ocorrerá audiência pública no Auditório Juscelino Kubitschek da Procuradoria Geral da República, em Brasília.
No evento, estão previstas as participações de representantes de comunidades quilombolas; dos deputados federais Érica Kokay, Domingos Dutra e Padre Ton; do Secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, Paulo Maldos; do chefe de Gabinete do Incra, Gerson Bem; do diretor de Ordenamento e Estrutura Fundiária do Incra, Richard Tociano; diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Luciano Menezes Evaristo; da diretora do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Célia Corfino; e da vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia, Ellen Woortmann. Pelo MPF, participarão a coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, Deborah Duprat, e o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Virgílio Veiga Rios, além de procuradores da República com atuação na área quilombola.
Contexto – A Constituição de 1988 assegurou, no artigo 68 dos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que “aos remanescentes das comunidades de quilombos é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”. Atualmente, há 2.007 comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Desse número, cerca de 1.300 já têm processo aberto no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão responsável pela regularização. No entanto, até maio de 2013,apenas 139 títulos de propriedade coletiva haviam sido emitidos.
Na prática, essa demora se reflete no dia a dia das comunidades, que enfrentam dificuldade de subsistência e de acesso a serviços públicos, são vítimas de violência e sofrem preconceito. “Persistindo esse ritmo, as 2.007 comunidades já certificadas pela Fundação Palmares terão que aguardar aproximadamente 175 anos para que todos os processos a elas pertinentes estejam concluídos”, afirma Deborah Duprat.
Confira detalhes sobre as ações civis públicas ajuizadas e as recomendações expedidas nesta quarta:
Amazonas – O MPF recomendou à Fundação Cultural Palmares e ao Incra celeridade na condução do processo administrativo de reconhecimento e titulação das comunidades de Boa Fé, Ituquara, São Pedro, Tereza do Matupiri e Trindade, localizadas no município de Barreirinha, a 331 quilômetros de Manaus, como remanescentes de quilombo. As comunidades receberam a certificação da Fundação Cultural Palmares no início de novembro deste ano e agora aguardam as próximas fases do processo. Na recomendação, o MPF pede ao Incra que conclua e divulgue o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação das comunidades em 90 dias e finalize o processo de demarcação e titulação das terras no prazo máximo de dois anos.
O processo de certificação da centenária comunidade do Barranco, localizada em um bairro de Manaus cuja história se confunde com a da população negra que migrou para a capital amazonense no século XIX, também motivou o MPF a expedir recomendação com o objetivo de garantir a tramitação do processo administrativo de reconhecimento como quilombo urbano em prazo razoável. No documento, o procurador da República Julio José Araujo Junior pede à Fundação Cultural Palmares que instaure processo de certificação da comunidade em até 30 dias e realize visita técnica para prestar esclarecimentos aos moradores do Barranco e colher os elementos necessários para a certificação.
Mato Grosso – Passados 25 anos da promulgação da Constituição, nenhuma comunidade quilombola de Mato Grosso teve as suas terras regularizadas até hoje. Na ação proposta nesta terça-feira, 19 de novembro, pelo Ministério Público Federal, o procurador da República Manoel Antônio Gonçalves da Silva pediu que a Justiça Federal determine prazo de 24 meses para a conclusão dos processos de regularização dos territórios quilombolas no Estado.
Atualmente, 68 processos estão em trâmite na Superintendência Regional do Incra em Mato Grosso para a regularização do território de comunidades que já foram certificadas pela Fundação Palmares como remanescentes de escravos. Cinquenta deles não têm nem previsão, de acordo com o próprio órgão, para o início dos trabalhos de identificação e delimitação do território. Em outros seis processos, o Incra informou a previsão do início dos trabalhos, mas ainda não comprovou. Para outras oito comunidades estão sendo realizadas, a passos lentos, as fases de identificação e delimitação, iniciadas entre 2005 e 2007. Apenas três comunidades quilombolas já tiveram a etapa de identificação e delimitação concluídas. Quanto à 68º comunidade, existe uma ação específica tramitando na Justiça Federal de Cáceres pedindo a conclusão da regularização.
Mato Grosso do Sul – Em Dourados, o MPF ajuizou ação civil pública para assegurar à Comunidade Quilombola Dezidério Felipe de Oliveira o direito básico de acesso à água potável. Há seis anos, os moradores aguardam a implantação de sistema de abastecimento de água na comunidade.
Nos ofícios encaminhados ao MPF, a Prefeitura de Dourados e a Fundação Nacional de Saúde reconhecem a existência de convênio com o Ministério da Saúde para execução da obra, mas empurram entre si a responsabilidade de dar encaminhamento ao procedimento licitatório. Enquanto isso, casos de contaminação pela ingestão de água imprópria para consumo continuam sendo registrados na comunidade.
Ainda na região de Dourados, o MPF encaminhou recomendação ao Incra para garantir à Comunidade Quilombola São Miguel isenção no pagamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). No entendimento do Ministério Público, a área ocupada pelos quilombolas deve ser considerada “patrimônio cultural brasileiro”. Além disso, o espaço destinado aos descendentes de escravos, se dividido entre as 16 famílias que integram o quilombo, não configura “pequena gleba rural”, como previsto em lei, o que desqualifica a cobrança do imposto.
Espírito Santo – O MPF moveu duas ações referentes a questões quilombolas. A primeira delas por conta da demora na regularização da terra da comunidade de São Domingos, no município de São Mateus, um dos exemplos mais claros de descaso. O MPF constatou que uma série de medidas foram tomadas pelos órgãos competentes para praticamente paralisar a atuação. Foram instituídas rotinas administrativas excessivas, com os processos tramitando com um prazo bem mais dilatado, se comparado a anos anteriores. O processo administrativo está na fase de análise técnica e jurídica e julgamento de recurso pelo Conselho Diretor. Ele encontra-se na sede do Incra desde abril de 2011 e está pronto para julgamento desde janeiro de 2012. Até agora não houve andamento.
A outra ação civil pública movida pelo MPF diz respeito à grilagem de terra pública atingindo terras quilombolas. O MPF quer a declaração de nulidade dos títulos de domínio de terras devolutas dados pelo Estado do Espírito Santo à Aracruz Celulose, atual Fibria S/A. Isso porque o processo ocorreu mediante fraude.
Foi constatada por Comissão Parlamentar de Inquérito (“CPI da Aracruz”), criada em 2002 pela Assembleia Legislativa do Espirito Santo, uma “aliança” entre a Aracruz Celulose e alguns de seus funcionários para que estes, de forma fraudulenta, requeressem a legitimação da posse de terras devolutas estaduais, no final da década de 60 e início dos anos 70, com o exclusivo fim de transferi-las à empresa. Também ficou comprovado que algumas dessas terras tituladas em favor da Aracruz são terras tradicionalmente ocupadas por comunidades quilombolas. Por conta disso, o MPF quer que essas terras sejam legitimadas em favor dos quilombolas, conforme a legislação vigente.
Pará – O MPF protocolou duas ações para pedir à Justiça que o Incra seja obrigado a publicar os relatórios técnicos de identificação e delimitação de terras de comunidades quilombolas do arquipélago do Marajó e da região do alto rio Trombetas, no noroeste do Estado. Também pediu a condenação do Incra à obrigação de concluir os procedimentos administrativos de titulação dessas áreas. Além de respeitar os direitos das comunidades quilombolas, a regularização é importante para a solução de outras questões fundiárias, como para acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Ministério do Meio Ambiente nas áreas de sobreposição com a Reserva Biológica do Rio Trombetas e com a Floresta Nacional de Saracá-Taquera, no noroeste paraense.
O MPF também encaminhou recomendação ao Incra para que seja feita a regularização de áreas quilombolas no Marajó não citadas na ação ou em recomendações expedidas anteriormente. São áreas da região do município de Cachoeira do Arari. Um dos líderes quilombolas locais, Teodoro Lalor de Lima, há muitos anos lutava pela titulação dessas áreas, mas foi assassinado em agosto deste ano. O MPF, que havia recebido de Lalor várias denúncias sobre ameaças e violência contra os quilombolas, está acompanhando as investigações do crime, feitas pela Polícia Civil do Pará.
Neste Dia da Consciência Negra, o MPF também entra com ação contra irregularidades praticadas contra quilombolas do Marajó pelo fazendeiro Renato de Almeida Quartiero. Para o MPF, no Marajó, o lançamento de agrotóxicos por aviões nas fazendas de Renato Quartiero tem impactado várias comunidades vizinhas, inclusive quilombolas. Além de pedir à Justiça que proíba o fazendeiro de voltar a colocar a saúde dessas comunidades em risco, o MPF também vai pedir que Renato Quartiero seja impedido de utilizar um porto localizado em área quilombola, hoje explorado pelo fazendeiro para escoamento da produção dos arrozais.
São Paulo – A partir de dois inquéritos civis públicos instaurados pela procuradora da República Maria Rezende Capucci, da Procuradoria da República no Município de Caraguatatuba, foram emitidas duas recomendações para a regularização da situação de comunidades quilombolas no município de Ubatuba. Uma das recomendações é dirigida ao Incra, ao Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), à Fundação Cultural Palmares (FCP) e à Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir). O objetivo é fazer com que cada uma dessas instituições, dentro de suas competências, adote as medidas necessárias para a pronta e efetiva titulação do território ocupado pela comunidade quilombola da Fazenda Picinguaba. A segunda recomendação da procuradora Maria Capucci diz respeito à comunidade de remanescentes do quilombo Sertão de Itamambuca. O processo de titulação dessas terras tramita no Incra desde 2006.