Para historiador, os verdadeiros donos do espaço urbano são a elite e a favela: uma, pela economia; outra, pela ocupação
Por Juliana Sayuri, em O Estado de S. Paulo
Retrato novo de mazelas antigas: dia 6 de novembro saiu o estudo Aglomerados Subnormais – Informações Territoriais, do IBGE, mostrando que 11.425.644 brasileiros vivem em construções alheias às regras do planejamento urbano. Além de aterros, mocambos, loteamentos irregulares e outros rincões improvisados e informais, há 6.329 favelas, onde se empoleiram 3.224.529 casas, principalmente no eixo Rio-SP. Nesse país favela, onde champanhe é “statis” para uns e outros, as cidades retratam o abismo social do Brasil.
Outras questões essencialmente urbanas voltaram à pauta paulistana nos últimos dias. Hussain Aref Saab, ex-diretor do Aprov que adquiriu 106 imóveis entre 2005 e 2012, tornou-se alvo de ação de improbidade administrativa. Ronilson Rodrigues, chefe da máfia do ISS, disse que o ex-prefeito Gilberto Kassab sabia do esquema que pode ter custado R$ 500 milhões aos cofres da cidade. Marcos Costa, presidente da Alstom, passou mal e escapou da CPI em que seria ouvido sobre a formação de cartel nos trilhos de Geraldo Alckmin. “As cidades brasileiras estão sendo administradas de uma forma profundamente desvirtuada do interesse público. Isso não é restrito a São Paulo. E não é ‘privilégio’ de um ou outro partido”, critica o urbanista Nireu Cavalcanti, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Alagoano de Olivença, radicado no Rio, Cavalcanti vê nesses acontecimentos se delinear o retrato de um país “Serra Pelada”, em que políticos e lobistas com interesses imobiliários exploram a terra e “vão deixar para trás um deserto e uma miséria de cidade”. Aos 69 anos, o historiador discute esses e outros elefantes brancos espalhados por nosso território. Desiludido com o Fla-Flu partidário, prefere independência política para alicerçar suas críticas. “Na política só há uma troca de moscas – e o povo continua comendo no prato podre”, critica o autor de Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro Colonial (Civilização Brasileira) e O Rio de Janeiro Setecentista (Zahar). “Sou um homem do século 19, um tempo antes dessa podridão”, diz Cavalcanti ao Aliás. E a quem pertencem as cidades brasileiras hoje, professor? “Aos extremos, a elite e a favela.” (mais…)