A Construtora OAS firmou um acordo judicial com o Ministério Público do Trabalho, homologado nesta quinta (7), em virtude das condições análogas às de escravo encontradas entre os trabalhadores contratados para as obras de expansão do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Cumbica, município de Guarulhos.
A empresa pagará R$ 15 milhões, dos quais R$ 7 milhões serão revertidos a instituições e projetos voltados para a melhoria das condições de trabalho, preferencialmente na região de Guarulhos, e R$ 8 milhões destinados à solução dos problemas encontrados, como a garantia de alojamentos para os empregados, de acordo com nota divulgada após a homologação.
De acordo com Christiane Vieira Nogueira, procuradora do Trabalho responsável pelo caso, “houve aliciamento de trabalhadores, que eram mantidos em alojamentos em condições degradantes. A Justiça do Trabalho reconheceu essas condições”. Segundo ela, a situação que levou à formalização do acordo foi de trabalho análogo ao de escravo.
Ao todo, 111 migrantes do Maranhão, Sergipe, Bahia e Pernambuco foram submetidos a condições análogas à de escravidão e resgatados por auditores do Ministério do Trabalho e Emprego e procuradores do Ministério Público do Trabalho. Eles haviam sido contratados para trabalhar na ampliação do aeroporto mais movimentado da América Latina e passaram fome, segundo a fiscalização. Posteriormente, mais 39 trabalhadores nas mesmas condições foram encontrados e inseridos no acordo.
“Não houve acordo com a concessionária GRU [que administra o Aeroporto Internacional de São Paulo], que também tem responsabilidade pelos fatos. Portanto, será ajuizada uma ação civil pública contra a empresa”, explica Christiane.
Para Renato Bignami, coordenador estadual do programa de erradicação do trabalho escravo da Superintendência Regional de Trabalho e Emprego de São Paulo, que participou da operação, “trata-se do acordo de maior valor firmado em um caso de trabalho escravo em âmbito nacional, demonstrando que o rigor tem aumentado e as autoridades não irão relaxar com relação a essa violação aos direitos humanos”.
Segundo ele, a força-tarefa, envolvendo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, conseguiu coletar e reunir uma quantidade considerável de provas que garantiram a realização do acordo. “O resgate apontou que a situação era a ponta de um iceberg.” Uma auditoria realizada pela Superintendência Regional, no âmbito da operação, mostrou que muitos outros trabalhadores estavam na mesma situação, tornando o acordo essencial para garantir os direitos fundamentais dos operários das obras do aeroporto de Guarulhos.
Parte significativa dos pedreiros, carpinteiros, armadores e serventes não contava com alojamentos tendo que procurar refúgio nas favelas da região. “A partir de agora, a empresa está obrigada a alojar em local decente todos os trabalhadores que não são de Guarulhos. E terá que comprovar isso, em 30 dias, para o Ministério Público do Trabalho”, afirma a procuradora. A OAS também deverá mostrar que está contratando regularmente os seus empregados, transportando-os de acordo com a legislação a partir de seus Estados de origem, e exigir que as prestadoras de serviço e subcontratadas procedam da mesma forma.
“O acordo conseguido entre o MPT e a empresa OAS é resultado direto do resgate de 111 trabalhadores encontrados em condições análogas às de escravo pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego em setembro último. O importante é os trabalhadores que foram resgatados estão a salvo em suas residências e receberam todas as verbas a que tinham direito”, afirma Renato. “Mais ainda, importa dizer que milhares de trabalhadores terão suas condições de vida e trabalho melhoradas, a partir do acordo conseguido na Justiça do Trabalho.”
Em nota na época da operação, a construtora declarou que “ vem apurando e tomando todas as providências necessárias para atender às solicitações” do Ministério do Trabalho e Emprego. “A OAS ressalta que as pessoas que se encontravam nos locais citados pela fiscalização não eram funcionários da Construtora, e que a empresa, nas pessoas dos seus representantes, não teve qualquer participação no incidente relatado. Com isso, vem reafirmar seu forte compromisso com a segurança e bem estar de seus colaboradores e comunidades onde atua, bem como com as legislações vigentes”.
Este blog não conseguiu contatar os responsáveis pelo acordo pela construtora OAS até o momento e colocará a posição da empresa assim que a obtiver.
Resgate em setembro
As vítimas aguardavam ser chamadas para trabalhar alojadas em onze casas de Cumbica que estavam em condições degradantes. Dos trabalhadores resgatados, seis eram indígenas da etnia Pankararu. Além do aliciamento e da situação das moradias, também pesou para a caracterização de trabalho escravo pelo Ministério do Trabalho e Emprego o tráfico de pessoas e a servidão por dívida.
A primeira denúncia foi feita pelo Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil em Guarulhos ao MTE, que resgatou os primeiros trabalhadores no último dia 6 de setembro. Na ocasião, a fiscalização visitou três casas com um total de 77 pessoas que chegaram de Petrolândia, interior de Pernambuco, nos dias 13 de agosto e 1º de setembro. Cada uma havia pago entre R$ 300 e R$ 400 ao aliciador (“gato”) pela viagem e aluguel da casa, além de uma “taxa” de R$ 100 que seria destinada a um funcionário da OAS para “agilizar” a contratação. Eles iriam trabalhar como carpinteiros, pedreiros e armadores nas obras de ampliação do aeroporto de Guarulhos, que prometem aumentar a capacidade dele de 32 para 44 milhões de passageiros por ano até a Copa do Mundo de 2014.
Em um dos três alojamentos fiscalizados, 38 homens se espremiam na casa de dois andares com quatro quartos e dois banheiros. Devido à falta de espaço para todos, muitos dormiam na cozinha e até debaixo da escada. Quando o segundo grupo chegou, em 1º de setembro, alguns tiveram que passar duas noites em redes do lado de fora, na varanda, por falta de espaço no interior. Só então outra casa foi providenciada, mas em condições também degradantes. Os trabalhadores não tinham nenhum móvel à disposição e já haviam sido orientados a trazer seus colchões. Quem não trazia tinha que comprar um, dividir o espaço dos colchões dos demais ou dormir no chão enrolado em lençóis. Já a cozinha não tinha fogão ou geladeira e a comida era paga por eles mesmos com o pouco que haviam trazido de Petrolândia. A água faltava quase todo dia.
Os empregados haviam recebido a promessa de bons salários, registro em carteira e vales-refeição e transporte. Todos já tinham feito o exame médico exigido pela empresa e haviam apresentado os documentos necessários para contratação. Eles, no entanto, também tiveram que trazer as ferramentas necessárias para trabalhar. Ao chegar na empresa, ficaram sabendo que não poderiam apresentar os comprovantes de residência das suas cidades de origem porque esses deveriam ser de Guarulhos. Os migrantes, então, entregaram cópias de comprovantes das casas alugadas pelo “gato”, o que garantiria à OAS o não pagamento dos valores referentes ao alojamento, como o aluguel.
Depois do primeiro resgate, a notícia foi se espalhando por Cumbica. Denúncias chegaram ao sindicato, que informou ao MTE. Os auditores retornaram ao distrito nos dias 10 e 16 de setembro, quando fiscalizaram as condições dos empregados em outras oito casas. Todos se encontravam em condições semelhantes aos primeiros, de Petrolândia, e também esperavam o início dos trabalhos com documentos de contratação da OAS.
Além de ser uma das maiores construtoras do Brasil, a OAS é também a terceira empresa que mais faz doações a candidatos de cargos políticos, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo. Entre 2002 e 2012, a empreiteira doou R$ 146,6 milhões (valor corrigido pela inflação). A OAS é uma das quatro empresas que formam o consórcio Invepar que, junto com a Airports Company South Africa, detêm 51% da sociedade com a Infraero para a administração do Aeroporto Internacional de Guarulhos através da GRU Airport. Para as obras de ampliação do aeroporto, onde foi flagrado trabalho escravo, o BNDES fez um empréstimo-ponte de R$1,2 bilhões.
*Com reportagem de Stefano Wrobleski.