Na transmissão das manifestações do Rio eles mobilizaram 300 mil expectadores, mas pautaram o trabalho de colegas que falam e escrevem para milhões. Revolucionários, ativistas e alegadamente apartidários os integrantes do grupo de mídia alternativa Narrativas Independentes Jornalismo e Ação (Ninja) transmitem ao vivo, sem grande preocupação com a qualidade da imagem e edição. O público parece não se importar e o Ninja chegou a contabilizar 200 horas ao vivo transmitindo a ocupação da Prefeitura Belo Horizonte
Cláudia Schüffner e Guilherme Serodio – Valor
Na noite de 22 de julho, durante a visita do papa Francisco ao Rio, o Mídia Ninja cobriu a manifestação que concentrou mais de mil pessoas próximo ao Palácio Guanabara. Da rua do palácio, onde polícia e manifestantes entraram em confronto no começo da noite, à porta da 9ª DP, no Catete, madrugada a dentro, foram horas de transmissão em tempo real que registraram as bombas de gás e o fogo dos coquetéis molotov até a detenção arbitrária de dois integrantes do Ninja, também transmitida ao vivo. Um deles era Filipe Peçanha, um mineiro apelidado de Carioca. Na noite seguinte, sua detenção por suposta incitação à violência tornou-se tema do “Jornal Nacional”, da TV Globo. Eles ganharam também as páginas do “The New York Times” e “The Guardian”.
Naquela semana, o Ninja ainda contribuiu para a libertação de Bruno Ferreira Teles, manifestante preso em Laranjeiras acusado de atirar coquetel molotov na PM e libertado graças a vídeos reunidos na internet. Como diz o próprio grupo em postagem no Facebook, “a cobertura cidadã de diversos indivíduos e grupos de mídia livre, inclusive a Mídia Ninja, estraçalhou a narrativa oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro”. Na mesma madrugada do dia 23, a página do grupo já denunciava vídeos que mostravam a ação de policiais infiltrados, P2, na manifestação.
Os ninjas carregam iPhones, laptops, baterias, câmeras e equipamentos de internet 3G em mochilas. Transmitem as imagens ao vivo usando várias contas no TwistCasting ou no site da Pós TV, projeto que começou em junho de 2011 a partir das transmissões das marchas da Maconha e da Liberdade, em São Paulo.
A próxima etapa é captar recursos diretamente dos expectadores transferindo a atual hospedagem do Ninja no Facebook para um site próprio – o da Pós TV cai quando aumenta o número de acesso – que permitirá financiamento por “crowdfunding”, o que deve acontecer logo.
É difícil explicar o que é a autoproclamada Mídia Ninja sem deixar de lado conceitos como patrão, salário e carga horária de trabalho. O produtor cultural Pablo Capilé, um dos fundadores do Fora do Eixo, rebate a alcunha de ‘rebelde’. Corrige-a por ‘autônomo’.
Contra as acusações de vinculação política – uma foto sua com o ex-deputado José Dirceu retirada da página de Capilé no Facebook circulou na internet em forma de denúncia da ligação do grupo com o PT – Capilé diz que há fotos dele com a atriz Mariana Ximenes, Lula, Marina Silva, FHC, João Pedro Stédile além de Gilberto Gil e Caetano Veloso, enumera.
“A esquerda fala que a gente é o novo capitalismo, a direita fala que a gente é o novo comunismo. Ninguém sabe direito onde a gente está porque a gente não é organizado por nenhum deles”, diz Capilé.
Bruno Torturra, Filipe Peçanha, Capilé e Felipe Altenfelder receberam o Valor em um apartamento comunitário na zona sul do Rio antes de saírem em duplas para acompanhar manifestações no Leblon e na Rocinha, em pleno feriado da visita do papa Francisco à cidade.
Explicam que o grupo é parte de uma cadeia muito maior de grupos em rede que reúne cerca de 2,4 mil pessoas em 250 cidades do país, além de um banco colaborativo. O grupo cresceu da costela do Fora do Eixo, que surgiu há cerca de 10 a 12 anos para produzir festivais de música durante a crise do mercado fonográfico.
Altenfelder conta que uma das ferramentas mais fortes do grupo era sua capacidade de produzir conteúdo e alcance. “Em 2011 e 2012 a gente começa a dar suporte a lutas contra a homofobia, por uma nova política de drogas, meio ambiente, terra, cultura digital, de hackers e midialivristas”.
Foi quando o grupo percebeu o potencial em mãos e criou o Ninja. “Refletindo sobre isso a gente chega à ideia do Ninja e ao conceito explicado pela sigla”.
Hoje o Ninja conta com cerca de 50 integrantes, mas o cadastro de colaboradores, que coleta emails e telefones em reuniões pelas cidades onde passam, soma milhares. “As pautas e coberturas nas ruas vão aproximando novas pessoas e mantemos diálogo com outros coletivos de comunicação”, diz Altenfelder.
Quando questionados se o fato de morarem juntos, sem receber pagamento individual está relacionado à economia de custos, Capilé explica que morar juntos não é uma condição.
Bruno Torturra, um ex-editor da revista “Trip” e um dos mais articulados do grupo mora sozinho, mas reconhece que é uma exceção. Capilé explica que a relação com dinheiro também é comunitária.
“Ninguém tem salário mas todo mundo tem a senha do cartão. Então todo mundo está o tempo inteiro colaborando um com o outro e somando os esforços para que aquele R$ 1 se transforme em dez”, afirma Capilé, que continua explicando que em vez de pagarem aluguel de 40 apartamentos eles concentram os recursos. “Para a gente multiplicar esse recurso, a gente desmonetariza as relações”, diz.
O modelo garante as necessidades básicas de todos, incluindo comida, plano de saúde, roupas, equipamentos, celulares e computadores (que todos têm), além das contas de luz e internet sempre pagas, enumera Capilé. “Se o cara estiver fazendo sem tesão, não rola. E morando coletivamente o cara também se sente mais seguro pra enfrentar o novo”, diz. “A gente não trabalha, a gente vive. O nosso ativismo é 24 horas”, afirma.
O jornalismo Ninja é engajado mas o grupo faz questão de frisar que só 3% a 7% dos recursos vêm de licitações de empresas públicas. “A maior parte do recurso é nosso. Por exemplo, a gente aprova um edital da Petrobras para a Universidade Fora do Eixo, mas no cômputo total, a soma dos recursos públicos dão 3% a 7%. Somos autogestionários. Isso nos dá, por exemplo, a autonomia de montar o núcleo de comunicação”.
A sensação das redes sociais na cobertura das manifestações, no entanto, não está imune a críticas, mesmo dos 140.682 fãs da Ninja no Facebook. Na entrevista de uma hora e meia com o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB) há duas semanas, a postura dos entrevistadores foi criticada na rede e classificada como despreparada. Para o grupo, a experiência foi um aprendizado tanto no enfrentamento com um político experiente, quanto na de abrir ao público a possibilidade de propor perguntas. “Quando você é muito novo e se coloca face a um desafio desses, há um valor pedagógico”, diz Altenfelder.
O Ninja atribui a violência nos protestos do Rio à polícia. “Os manifestantes, as pessoas que saem de casa e estão criando o hábito de ir nos protestos, são extremamente conscientes do papel delas e da responsabilidade delas de não serem violentas”, diz Torturra.
“Existem alguns grupos como o Black Bloc, que está sendo muito discutido e é especialmente bom de a polícia se infiltrar, já que usam máscaras. Eles têm técnicas um pouco mais duras de lidar com a manifestação. Mas têm uma teoria por trás disso. Não é vandalismo, quebra-quebra e desordem. Eles têm alvos específicos”, observa.
No cenário que se desenha para a mídia com as possibilidades da rede e equipamentos de transmissão online, até o público é cobrado sobre informações compartilhadas. “Estamos vendo emergir o pós-expectador. Começamos a entender que ele não é passivo, que tem uma responsabilidade na hora que replica, que comenta, que dá um ‘like’ [curtir], que usa algo de uma fonte. Ele tem responsabilidade também”, teoriza Torturra.