Seguir Jesus, desafio que exige compromisso (2ª parte). Subida de Jesus e do seu Movimento para Jerusalém, um Caminho de libertação

Gilvander Luís Moreira[1], para Combate Racismo Ambiental

1 – Introdução.

Jesus toma a firme decisão de partir para Jerusalém.” (Lc 9,51). “Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo caminho para Jerusalém.” (Lc 13,22).

Esses dois versículos emolduram a 1ª grande parte da Caminhada de Jesus e do seu movimento para Jerusalém (Lc 9,51-13,21). Muitas narrativas compõem essa parte imprescindível do Evangelho de Lucas. Vamos interpretar essas narrativas, não todas, observando como elas podem nos inspirar no Seguimento de Jesus e no compromisso com seu Projeto. Veremos os apelos de Jesus, suas exigências e o compromisso necessário para se seguir o Profeta da Galileia.

1.1 – Não se instalar nem olhar para trás (Lc 9,51-62).

Seguir Jesus é o coração da vida cristã. Em três pequenas cenas, Jesus sacode a consciência dos discípulos. Não busca aumentar o número de seguidores e nem de “adoradores”, mas quer seguidores comprometidos que o acompanhe sem reservas. Seguir Jesus é viver a caminho, sem nos instalarmos no bem-estar e sem buscar religião como refúgio. Jesus desconcerta: “Deixa que os mortos enterrem seus mortos; tu vais anunciar o reino de Deus” (Lc 9,60). Há “mortos” ainda de pé sem viver o sentido mais profundo da vida. Estão alucinados pelo projeto do mercado endeusado. Não é possível seguir Jesus olhando para trás. Trabalhar no projeto do Pai exige dedicação total, confiança no Deus da vida, audácia para seguir os passos de Jesus e se comprometer com seu projeto.

Seguir Jesus exige uma dinâmica de permanente movimento. A sociedade capitalista nos leva a buscar segurança, o que é uma farsa. É hora de aprendermos a seguir Jesus de forma humilde e vulnerável, porém autêntica e real. Não se distrair com costumes e obrigações que provêm do passado, mas não ajudam a construir uma sociedade justa, solidária e sustentável ecologicamente.

Concordamos com o teólogo José Antônio Pagola ao dizer: “Em tempos de crise é grande a tentação de buscar segurança, voltar a posições fáceis e bater novamente às portas de uma religião que nos proteja de tantos problemas e conflitos”[2] (p. 166). Cuidado com a busca de segurança religiosa. Hoje devemos viver “com a atmosfera de Jesus” e não “ao sabor do vento que mais sopra”. Há muita gente afundando em “água benta” e busca individual por cura, consolo. Isso é auto-ajuda, é amuleto, não é seguimento de Jesus.

Seguir Jesus implica andar na contramão, remar contra a correnteza de tantos fundamentalismos e da idolatria do consumismo. Exige também rebeldia, coragem, audácia diante de costumes que entortam o queixo e de modas que aniquilam o infinito potencial humano existente em nós.

2.2 – Discípulos identificados com Jesus (Lc 10,1-12.17-20)

Ao longo da viagem para Jerusalém, as pessoas vão se definindo a favor ou contra o processo de libertação, aderindo a Jesus ou fazendo parte dos grupos que o rejeitam e o condenam à pena de morte. Todos são chamados a participar do projeto de libertação (Lc 10,1). O número 72 (setenta, segundo alguns manuscritos) é emblemático. Recorda os setenta anciãos de Israel (cf. Nm 11,16-30). Lembra, ainda, a tábua das nações de Gênesis 10. O apelo a participar no anúncio do Reino é feito a todos, sem exceção.

Qual a identidade dos discípulos de Jesus? A partir de Lc 10,2-12 percebemos sete características que identificam os discípulos e discípulas de Jesus:

  1. são pessoas que rezam/oram porque percebem a urgência do projeto de Deus (Lc 10,2);
  2. são pessoas que anunciam o Reino em uma sociedade de classes com interesses antagônicos e não empregam os métodos violentos da classe dominante que vai matar e perseguir seus discípulos. Anunciam o Reino de Deus despojados do poder e se regendo pela lógica do amor (Lc 10,3);
  3. são pobres (Lc 10,4a) e a mensagem é urgente (Lc 10,4b);
  4. são construtores da paz, que é a plenitude dos bens da nova sociedade (Lc 10,5-6);
  5. são pessoas que não visam a  lucro (Lc 10,7);
  6. são precursores na missão, são pessoas que se preocupam em defender os injustiçados (Lc 10,8-9);
  7. são pessoas que não fazem média com a sociedade que rejeita o projeto de Deus (Lc 10,10-11).

Importante observar que há outro envio dos discípulos no Evangelho de Lucas, em Lc 22,35-38, que trata da hora do combate, da luta. No primeiro envio, Jesus indicou aos discípulos que fossem despojados e desarmados. Assim deve ser todo início de missão: conviver, estabelecer amizades, cativar, assumir a cultura do outro, tornar-se um irmão entre os irmãos para que seja reconhecido como “um dos nossos”, estabelecer proximidade, como nos ensina o papa Francisco. Mas, durante a evolução da missão, chega a hora em que não basta esbanjar ternura, graciosidade e solidariedade. È preciso partir para a luta, pois as injustiças precisam ser denunciadas. Ao tomar partido e “dar nomes aos bois”, irrompem-se as divisões e desigualdades existentes na realidade. Os incomodados tendem naturalmente a querer calar quem os está incomodando. É a hora das perseguições que exigem resistência. Por isso “pegar bolsa e sacola, uma espada – duas no máximo.” (Lc 22,36-38).

Resistir não é violência, é legítima defesa. Diante de qualquer tirania e de um Estado violentador, vassalo do sistema capitalista, que sempre tritura vidas e pratica injustiças, é dever das pessoas cristãs resistirem contras as opressões perpetradas contra os empobrecidos, os preferidos de Jesus. Lucas, em Lc 22,35-38, sugere desobediência civil – econômica, política e religiosa. Em uma sociedade desigual, esse é “um outro caminho” a ser seguido por nós, discípulos e discípulas de Jesus, o rebelde de Nazaré.

1.3 – Sejam universais e ecumênicos!

A narração de Lucas, no evangelho, está cheia de prefigurações de uma futura abertura para reconhecer que o Reino de Deus está também no meio dos não judeus, o que se confirma em Atos dos Apóstolos com a abertura “aos de fora”. Já no início do evangelho aparece o tema do universalismo, ao dizer que Jesus será “luz para as nações” (Lc 2,30-32). Ainda antes da missão pública de Jesus já se assinala que “toda carne verá a salvação…” (Lc 3,6), anunciando que a ação de Jesus virá trazer a salvação de Deus, superará barreiras, transporá fronteiras, romperá limites. Como exemplo do universalismo e do ecumenismo defendido por Lucas podemos citar a inegável prioridade que Lucas dá aos samaritanos.[3]

No caminho de subida para Jerusalém, Jesus cura dez leprosos (Lc 17,11-19). Nesse relato, Lucas faz questão de dizer que o único que voltou dando graças a Deus era um samaritano (Lc 17,16), um estrangeiro (Lc 17,18), colocado como paradigma a ser seguido pelos discípulos, porque apresentou fé crítica e criativa, nascida da esperança (Lc 17,12-13), foi dócil à Palavra de Jesus (Lc 17,14), revelou gratidão (Lc 17,16). Com isso, ele não só recebe a cura, mas é salvo.

1.4 – Seja compassivo e misericordioso! Tenha coração aberto e mãos solidárias! (l 10,25-37)

Uma das colunas mestras da teologia de Lucas é a compaixão-misericórdia, a bondade, o amor de Jesus pelos pecadores, marginalizados, pobres e os excluídos (Lc 19,10), explicitados no discurso programático na sinagoga em Nazaré (Lc 4,14-27). No evangelho de Lucas, compaixão e misericórdia verificam-se em ser amigo de pecadores e publicanos (Lc 7,34), na solidariedade com a viúva de Naim (Lc 7,11-17), nas parábolas da misericórdia (Lc 15,4-7.8-10.11-32), no episódio-parábola do Bom Samaritano (Lc 10,29-37), na experiência de Zaqueu (Lc 19,1-10) e no convite para ser misericordioso (Lc 6,36). E mais: ternura, cuidado, compaixão e misericórdia estão disseminadas em todas as páginas do evangelho de Lucas como um tempero que permeia, penetra e perpassa todo o ensinamento e práxis de Jesus de Nazaré.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 29 de julho de 2013.

Frei Gilvander Moreira – www.gilvander.org.br – [email protected]

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[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: [email protected] – www.gilvander.org.br –www.twitter.com/gilvanderluis – facebook: Gilvander Moreira

Obs.: Esse texto é a 2ª parte do artigo “Seguir Jesus, desafio que exige compromisso”, de Gilvander Luís Moreira, publicado no livro  “RECRIAR O CAMINHO com as Comunidades de Lucas, uma leitura do Evangelho de Lucas feita pelo CEBI-MG, São Leopoldo, CEBI, 2013, pp. 48-77.

[2] PAGOLA, J. A., O Caminho aberto por Jesus, Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 166.

[3] Cf. Lc 9,52-53; Lc 10,33; 17,16; At 8,4-40.

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