Visando a produção de commodities, o atual modelo de desenvolvimento opta por decisões anti-indígenas e antiambientais.
Luciana Gaffrée, Rel-UITA
O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cleber Buzatto, informa À Rel sobre as decisões políticas tomadas pelo governo brasileiro em relação aos povos indígenas, e alerta para o fato de a aprovação desta Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 215, não ser o caminho para a solução das questões fundiárias.
-Como estão sendo tomadas as decisões políticas com relação aos povos indígenas?
-As decisões políticas, tomadas pelo governo brasileiro, têm se sobreposto a quaisquer análises técnicas emitidas pelos órgãos do estado brasileiro responsáveis por diferentes setores e por diferentes legislações no país.
E na questão dos licenciamentos ambientais, há uma prática de desrespeito muito flagrante às análises feitas por técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), com relação ao aproveitamento das terras para a construção de usinas hidrelétricas. As decisões têm sido tomadas de forma contrária aos pareceres técnicos do órgão.
Isto significa que, para o governo brasileiro, são as decisões políticas, ancoradas num modelo de desenvolvimento que apregoa um valor máximo ao avanço do latifúndio e da exploração mineral, as que têm o maior peso e não as decisões técnicas e de responsabilidade em relação à proteção do meio ambiente e, isto, obviamente, tem uma consequência direta para o IBAMA e analogamente para a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
-A partir de agora serão abertas consultas à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a outras áreas do governo, com relação à demarcação de áreas indígenas. O que você tem a dizer sobre isto?
-A EMBRAPA e o próprio Ministério da Agricultura são órgãos historicamente vinculados aos interesses do latifúndio no país.
Hoje, mais de 96 por cento do orçamento da EMBRAPA é destinado a pesquisas para beneficiar o agronegócio e a coprodução de commodities. Portanto, essa empresa atua na perspectiva de implementação do modelo de desenvolvimento adotado pelo governo brasileiro, que é a produção e exportação de commodities. Ela tem, por esse motivo, um foco muito peculiar e muito particularizado de beneficiar o agronegócio no Brasil.
O próprio Ministério da Agricultura historicamente tem atuado numa perspectiva anti-indígena. E se nós fizermos um paralelo com o Relatório Figueiredo, vamos verificar que todas as atrocidades cometidas pelo estado brasileiro contra os povos indígenas, naquele período, aconteciam sob a responsabilidade política e comando do Ministério da Agricultura e do Ministério do Interior.
No nosso entendimento é um retrocesso por parte deste governo que ninguém poderia sequer imaginar a poucos anos atrás. A participação da EMBRAPA tende a prejudicar, ainda mais, os direitos dos povos e, em última instância, tende a potencializar os conflitos que estão em curso.
-Por que os povos indígenas não querem a proposta de emenda constitucional PEC 215?
-Porque a PEC 215 é prejudicial para o direito dos povos indígenas no que diz respeito às suas terras tradicionais, e também com relação aos direitos dos quilombolas e ao meio ambiente.
Porque transfere o poder de demarcação do executivo para o legislativo e, com isso, os parlamentares que representam o agronegócio no Congresso terão o poder de decidir e de inviabilizar por completo os processos de reconhecimento e demarcação de terras (indígenas e quilombolas), bem como a criação de novas Unidades de Conservação no país.
Nós esperamos que os grupos políticos se convençam de que efetivamente a aprovação dessa PEC 215 não é o caminho para a solução das questões fundiárias envolvendo os povos indígenas no Brasil, uma vez que o interesse dos latifundiários é exatamente o de impedir que o reconhecimento e as demarcações das terras indígenas aconteçam.
Para nós, a solução dessas questões e conflitos passa exatamente pela posição de respeito à Constituição e, portanto, do reconhecimento e da agilização dos procedimentos de demarcação de todas as terras indígenas no país, conforme definido pelo texto constitucional.
Muito embora, saibamos que essa é uma tarefa bem complicada, uma vez que a bancada ruralista, que é um grupo de parlamentares eleitos com o dinheiro dos agropecuaristas, e que tem o compromisso com o latifúndio, está bastante fortalecida, promovendo um grande retrocesso, inclusive voltando a serem utilizados parâmetros legais próprios da ditadura militar, no que tange aos direitos dos povos indígenas.