Por Elaíze Farias, em seu blog
O Ministério Público Federal do Amazonas (MPF/AM) recomendou ao governo do Amazonas a anulação do Decreto nº 32.875, de 10 de outubro de 2012, que declarou de utilidade pública as áreas localizadas na margem esquerda do rio Amazonas, na zona rural de Manaus, para a implantação do Polo da Indústria Naval.
Mais conhecido como Polo Naval, o empreendimento estatal deverá ocupar 35 quilômetros de extensão de um área onde estão localizadas várias comunidades ribeirinhas na região do Puraquequara e Jatuarana. Pode ainda se estender a outras áreas, chegando até a zona rural do município de Rio Preto da Eva em menos de 10 anos.
O órgão federal também recomendou a “imediata suspensão dos estudos, análises, projetos e procedimentos congêneres, em trâmite ou que venham a ser iniciados, relacionados à implantação do Polo da Indústria Naval do Amazonas, até que sejam consultadas as comunidades afetadas pelo empreendimento, na forma determinada pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho”.
O MPF recomendou a realização de consulta livre, prévia e informada, nos moldes em que foi estabelecido pelos parâmetros legais às populações tradicionais que possam ser afetadas pela implantação do Polo da Indústria Naval do Amazonas.
O MPF quer que a consulta não se limite a apenas uma reunião, mas “à busca de consensos com as comunidades, a partir da prestação de informações claras e precisas, oitiva quanto aos anseios destas e ônus argumentativo em caso de contestações”.
Prazo
A recomendação de autoria do procurador da República Julio José Araujo Junior, obtida com exclusividade por este blog, foi assinada no último dia 18 de julho e já foi encaminhada ao governo do Amazonas, por meio de suas secretarias e da Procuradoria Geral do Estado do Amazonas.
O governo tem um prazo de 20 dias para informar o MPF sobre acatamento da recomendação. Caso o governo opte pelo não cumprimento, o MPF pode entrar com ação na justiça contra o empreendimento.
Também foram notificados o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Ambientais Renováveis) e o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas). O MPF recomenda que estes dois órgãos se abstenham de elaborar estudos ou emitir licenças, autorizações ou outros atos permissivos relacionados ao Polo Naval até que as comunidades afetadas sejam consultadas.
O MPF também pede que a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e o Incra (Instituto Nacional de Colonização Agrária) não cedam, doem ou autorizem o uso de imóvel público federal para a implantação do empreendimento sem a realização da mesma consulta.
Desconsideração
A recomendação do MPF é resultado do inquérito aberto pelo órgão para acompanhar o respeito aos direitos das comunidades tradicionais ribeirinhas na construção do polo naval do Amazonas.
De acordo com o MPF, ao anunciar a construção do Polo Naval e assinar o decreto de desapropriação, o governo do Amazonas considerou apenas os interesses econômicos advindos da obra em detrimento do patrimônio social, cultural, histórico e ecológico do Amazonas.
O governo do Amazonas, segundo o MPF, também desconsiderou o procedimento de consulta às comunidades tradicionais ribeirinhas afetadas e o direito dos povos tradicionais.
O MPF lembra na recomendação que as comunidades nunca foram consultadas ou receberam qualquer informação oficial sobre o empreendimento. As comunidades ficaram sabendo do projeto apenas por veículos da imprensa local.
O MPF também se mostrou preocupado com o avanço dos estudos realizados na área antes mesmo da consulta às comunidades ribeirinhas. Na recomendação, o procurador da República Julio José Araujo Junior destaca que já foi realizado Estudo de Batimetria pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e Análise Topográfica do possível acesso viário pela Companhia de Desenvolvimento do Amazonas (Ciama).
O procurador destaca também em sua recomendação que estudos fundiários já foram realizados sobre a área de interesse do projeto pela Secretaria de Estado de Políticas Fundiárias (SPF) e que, apesar da ausência de consulta às comunidades, o governo do Amazonas já está realizando promoção do empreendimento em nível internacional.
O MPF alerta ainda que o único momento previsto no cronograma de implantação do Polo Naval no qual as comunidades poderão se manifestar é a fase das audiências públicas, realizadas apenas após a emissão das Licenças de Operação do projeto. Conforme o MPF, nesta etapa já existirão intervenções concretas sobre as comunidades tradicionais ribeirinhas.