Ótima! “A greve dos Emboricis na visita do Papa”, por José Ribamar Bessa Freire

 

Operário quase invisível, na plataforma, abaixo da ponta do braço da cruz à direita. Foto: Sergio Moraes - Reuters
Operário quase invisível, na plataforma, abaixo da ponta do braço da cruz à direita. Foto: Sergio Moraes – Reuters

Taqui Pra Ti

Quando o Papa Francisco desembarcar no Galeão, nesta segunda-feira, encontrará milhares de emboricis com os braços cruzados, numa greve geral da categoria que se alastrará por todo o país. Mas a greve não conta com o apoio dos operários que edificaram a estrutura do Campus Fidei – em Barra do Guaratiba, no Rio, no valor de R$ 5 milhões.

Alheios à greve, os operários construíram 24 capelas, um palco com 360 torres brancas atrás e o altar, onde ergueram uma grande cruz de ferro com revestimento dourado e, de cada lado dela, torres frontais formando a imagem de duas mãos postas em oração, uma homenagem discreta aos emboricis que estão sempre com as mãos erguidas, louvando a Deus, o que inspirou o arquiteto autor do projeto. Com isso, os organizadores da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) pretendiam evitar a greve.

Não deu certo. Os emboricis cruzaram os braços. Dizem que decidiram fazer greve ali mesmo onde o Papa celebrará a megamissa campal, acompanhado de 16 mil padres, 1.500 bispos e 60 cardeais. Dizem que a greve foi confirmada por assembleia nos jardins do Palácio da Cidade, onde jardineiros aparavam a grama e garis da Comlurb recolhiam o lixo. Lá, numa cerimônia, o prefeito do Rio Eduardo Paes vai entregar ao Papa a chave da cidade confeccionada pela joalheria H. Stern. Dizem que neste momento os emboricis querem entregar um documento ao Pontífice.

No entanto, para isso eles terão que furar os cordões de isolamento montados por militares armados num raio de quatro quilômetros com apoio de 94 torres de observação. Se algum emborici tentar subir ao palco onde o Papa vai celebrar a missa, será barrado por mais de 800 militares, à paisana, de terno e gravata, segundo O Globo. Se buscar encontrá-lo na Arquidiocese onde ficará hospedado, enfrentará bloqueio de mais de 200 policiais federais que passarão a noite lá, segundo a Folha de São Paulo.

O gigantesco esquema de segurança é padrão Obama, conta com 24 mil homens armados,10.266 militares das Forças Armadas, agentes das polícias Federal, Civil, Militar, Rodoviária, da Força Nacional, da Defesa Civil, do Bope e da Guarda Municipal. Além disso, fuzileiros navais portando granadas sonoras e de fumaça reforçarão o Grupamento de Segurança Marítima que deixou em alerta, na costa fluminense, 9 navios e 20 outras embarcações. Enfim, uma operação de guerra no céu, na terra e no mar.

Campus fidei verdeChamariz

O bloqueio será difícil de ser furado até em Copacabana, onde 90 atiradores de elite estarão posicionados no alto dos prédios. O Papa vai desfilar no papamóvel protegido por um comboio de oito carros blindados com policiais armados de fuzis e por helicópteros do governador Sérgio Cabral. No santuário de Aparecida será montado esquema similar. Mas ainda que os grevistas não consigam se aproximar, o Papa Francisco saberá da greve, porque anônimos emboricis estarão todos de braços cruzados nos jardins, parques, bosques, matas e florestas adjacentes.

Os emboricis não poderão entrar, segunda-feira, na recepção no Palácio Guanabara, sede do governo do Rio. Lá, pedindo a benção do Papa estarão 650 autoridades – do presidente do senado, Renan Calheiros, ao presidente da Câmara, deputado Henrique Alves – o que é um chamariz para os manifestantes, que na quarta-feira, em frente à casa do governador Sérgio Cabral, no Leblon, gritavam: “Do papa, do papa, do papa eu abro mão / Eu quero meu dinheiro pra saúde e educação”. Por isso, a ABIN – Agência Brasileira de Inteligência, tentou sem sucesso impedir a recepção.

Os gastos públicos com a visita do Papa foram criticados também pela ONG Católicas pelo Direito de Decidir, criada nos anos 90, que reivindica além disso a legalização do aborto, sexo antes do casamento, uso de contraceptivos, adoção de crianças por casais homossexuais, pesquisa com células-tronco, todos temas polêmicos rejeitados pela Igreja. Dizem que os emboricis vão se juntar ao protesto organizado pela ONG, cuja presidente  Maria José Rosado, sem confirmar o apoio deles, declarou a Fernando Miragaya do Globo:

– “Não concordamos com a forma como a Igreja continua tratando as mulheres, como um ser de segunda classe, quando elas são as principais fiéis. Dois terços das mulheres que já fizeram um aborto na idade adulta são católicas, segundo estudo feito pela Universidade de Brasília (UnB). Há uma defasagem enorme entre o que propõe a Igreja e a prática das católicas”.

Para o governador Sérgio Cabral, todas essas manifestações são feitas por agentes infiltrados de organizações internacionais. A sua denúncia não explicitou quais eram essas organizações, nem mencionou a greve dos emboricis.

Afinal, quem são os emboricis e por que cruzaram os braços?

Braços cruzados

O emborici é um inseto verde, que muda para marrom dourado no final da vida. Subdividido em 2.400 espécies, é primo do grilo e do gafanhoto, como eu sou primo da Dodora. Tem cinco olhos e duas antenas na cabeça triangular. Saltitante, usa as patas dianteiras como garras para caçar moscas, abelhas e outros insetos, tornando-se o xodó da agricultura biológica, pois permite combater as pragas sem usar pesticida. Costuma manter as mãos postas na frente do corpo, como se estivesse rezando, por isso ficou conhecido como “louva-a-deus” na língua portuguesa.

louvadeus ESSANa Amazônia, é o prosaico “põe-mesa”. Nas línguas da família tupi, o “louva-a-deus” é denominado de emborici, que significa “mãe da cobra” e isto porque ele costuma ter dentro do abdômen um verme fino e comprido que parece um filhote de cobra. Ver mesmo eu nunca vi, mas o Google jura que no acasalamento o macho serve de alimento para “sua amada”, que o agarra pelo pescoço, arranca e come sua cabeça. Eu hein? Terminado o ato, a fêmea se esconde entre as folhas e vai “rezar”.

É essa espécie acostumada a louvar a Deus que, agora, revoltada, cruza os braços como comprovam fotos feitas pelo Taquiprati. E nisso consiste a greve. A palavra de ordem do emborici em língua guarani é “Xee aporai rã Nhanderu pe anho?”, cuja tradução é: “Não louvo. Só louvo Nhanderu, em guarani”. De braços cruzados, eles se recusam a louvar a Deus, numa língua que não é a sua e que não foi contemplada pelos organizadores na programação da Jornada. Esperam do Papa Francisco uma palavra em defesa de seus direitos, que incluem o território, a língua e a cultura.

É isso que diz o documento que os emboricis querem entregar ao Papa, onde defendem os territórios indígenas que para eles são um paraíso. Lá eles têm casa, comida e roupa lavada. Quando entra o agronegócio desmatando tudo, os emboricis são exterminados junto com os índios. Por isso, apoiam os direitos indígenas ameaçados pelos representantes da bancada ruralista, alguns dos quais comungarão com o Papa.

Louva-a-deus

O coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, deputado federal Padre Ton (PT-RO), na véspera da chegada do Papa, denunciou a ameaça do Congresso Nacional, prestes a votar em regime de urgência o projeto de lei complementar (PLP 227/2012), que pretende permitir a entrada em terras indígenas de grupos econômicos, da mineração, da construção civil e do setor madeireiro.

Segundo o padre Ton, “esse projeto é muito pior do que a PEC 215, a Câmara não pode permitir essa votação”. Essa é também a opinião de Márcio Santilli, ex-presidente da Funai  e ex-presidente da Comissão do Índio na Câmara dos Deputados, para quem a manobra “pretende revogar, sem qualquer discussão, o capítulo ‘Dos Índios’ da Constituição brasileira”.

Durante a segunda guerra mundial, Aristófanes Antony escrevia editoriais furibundos no velho Jornal do Comércio, de Manaus, admoestando: “A Inglaterra sofreu o bombardeio alemão porque Winston Churchill não ouviu as advertências que fiz ontem aqui nessas páginas”. Da mesma forma, o Papa Francisco evitará um conjunto de problemas se depois de ler o Taquiprati, no Diário do Amazonas, se pronunciar a favor dos direitos indígenas, embora não esteja previsto na programação oficial.

A presença do emborici significa promessa, esperança, notícia agradável, bom agouro, como nos ensina Osvaldo Orico no seu Vocabulário de Crendices Amazônicas. Os emboricis descruzarão os braços e voltarão a louvar a Deus, se o Papa manifestar a posição dessa Igreja em favor dos direitos, da terra, das línguas, das culturas e das religiões indígenas.

P.S. – A ideia do “louva-a-Deus” de mãos cruzadas foi pirateada de Rita Medeiros e de Inez Mateus, duas portuguesas muito porreiras, que conceberam uma t-shirt com essa imagem (ver www.acordocamaleao.com). O texto em guarani é de Tupã Ray, também conhecido como Alberto Alvares, pai da Laura, Tainá e Raika. A foto do emborici é de Maria, mãe da Ana.

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