Por Rodrigo Bruder, da ABCD maior, no Sul21
São Bernardo do Campo – A criação da Comissão Nacional da Verdade inspirou um grupo de ex-presos políticos do ABCD a resgatar da memória os danos sofridos com a ditadura (1964-1985). A missão é produzir um dossiê com foco nos casos de tortura, mortes, ocultações de cadáveres, além identificar as instituições e torturadores para colaborar com a Comissão da Verdade.
À frente do projeto está Aparecido Benedito Faria, 71 anos, conhecido como Cido Faria. Integrante da organização AP (Ação Popular) durante o período da ditadura e preso pelos militares, Cido boa parte da vida ficou exilado no Chile, até 1973.
Retornou ao Brasil após a anistia, em 1979. Atualmente, coordena o Centro de Memória do ABC – entidade organizada por movimentos sociais e sindicais – onde os militantes que resistiram à ditadura organizam o dossiê batizado “Acorda ABC”.
“Vamos resgatar a memória para dizer: Não queremos esse sistema nunca mais. Um povo sem memória é um povo ameaçado a sofrer os mesmo reveses do passado”, afirma Cido.
Uma das estratégias do grupo é ir até a casa de ex-presos e torturados políticos para colher depoimentos. Cido conta que até agora existe uma lista de aproximadamente 200 nomes de militantes da Região garimpados nos arquivos públicos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social).
A memória revelada pelos arquivos será transformada em material histórico: três livros, um documentário, além de cartilhas pedagógicas. Tudo deverá ser publicado no final de 2014, quando se completará 50 anos de ditadura (o material será ofertado em redes sociais e bibliotecas públicas).
Tortura e prisão
O sociólogo Elias Stein, 74 anos, mudou-se de Capivari, no interior de São Paulo, para viver como operário no ABC paulista em 1962. Não demorou muito para ingressar nas fileiras da Ala Vermelha (uma dissidência do Partido Comunista do Brasil) para combater a ditadura nas trincheiras do sindicalismo. Ficou detido por quatro meses nas dependências do Dops, onde sofreu torturas. Stein é um dos principais colaboradores com os companheiros do Centro de Memória do ABC.
“A juventude precisa saber o que foi a ditadura. As escolas não ensinam, porque essa geração de professores viveu um período de censura total”, diz Stein.
A atuação dos padres operários na resistência também terá destaque. Um dos principais expoentes do ABC paulista é colaborador do Centro de Memória. Trata-se do padre José Mahom, 86 anos, que chegou a ocupar o posto de frezador das Indústrias Villares, em 1964.
Foi detido por sete vezes para prestar depoimentos na Delegacia Seccional de Santo André. A acusação: ajudar os movimentos grevistas a partir de 1979. Mahom observa que, mesmo após a transição da ditadura para a democracia o povo ainda clama por justiça social. “Cada um quer explorar quem está embaixo, até chegar a um coitado que não pode explorar ninguém. O poder e o dinheiro são os deuses da sociedade atual. Devemos lutar pela libertação do povo escravizado”.
Encontro com chilenos debaterá ditadura Pinochet
Além da colaboração com a Comissão Nacional da Verdade, o grupo de ex-presos políticos promoverá uma série de seminários no ABC. Hoje (18), às 18h30, será realizado o debate “Em Busca de Nossos Mártires – A Caminho do 50 anos do golpe militar de 1964”. O evento será na subsede de Diadema do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na Avenida Encarnação, 290, em Piraporinha. O presidente do sindicato, Rafael Marques, abre as discussões, com os ex-militantes Nuncia Alves, Luiz Duarte e Cido Faria.
O principal evento está programado para ocorrer em setembro, quando será realizado um encontro internacional entre Brasil e Chile. O ato contará com as participações de militantes de esquerda que combateram a ditadura Augusto Pinochet, entre eles Paschall Allende, sobrinho do presidente deposto Salvador Allende.