Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Considerando a próxima realização do IV Concurso Público para preenchimento de vagas na Defensoria Pública de São Paulo, a Ouvidora Geral Luciana Zaffalon encaminhou ontem (12) ao Conselho Superior da instituição Petição para a implantação do sistema de cotas étnico-raciais no Edital a ser lançado pela Instituição. Ao justificar a proposta, que contemplará negros e índios, ela anexa, entre outros, documento encaminhado à DP pelo Instituto Práxis de Direitos Humanos, Pastoral Carcerária e Ação dos Cristão para a Abolição da Tortura (ACAT Brasil), em outubro de 2012 .
Nele, as três entidades questionam o fato de a Defensoria Pública, que tem práticas pioneiras “na construção de mecanismos democráticos de participação popular e consequente inclusão dos Usuários de seus serviços” na definição de suas prioridades, defender o respeito à efetivação da política de cotas sociais e raciais para universidades, órgãos públicos e empresas, e não ter, ela própria, dado um exemplo em relação à prática que cobra. Do documento citado por Luciana Zaffalon, destaco o seguinte trecho:
“Esse fato choca-se de maneira dramática com o atendimento prestado no edifício da Av. Liberdade, n.º 32, em São Paulo, que exemplifica perfeitamente a exclusão e marginalização que ainda abunda em nossa sociedade. Nesse espaço, onde uma multidão maciçamente negra aguarda por horas o atendimento prestado pelos Defensores Públicos, praticamente todos brancos, que cumprem seus deveres funcionais imbuídos, aos olhos de muitos Usuários, de uma enorme “autoridade” e “distinção social”, a casa grande e senzala é repetida diariamente e a vista de todos a exemplo do que há muito se consolidou em nosso sistema prisional.
Nossas mulheres e homens, pretos e pardos, têm vivenciado, já há tempo demais, a condução de seus processos de aprisionamento por acusadores quase que exclusivamente brancos, assim como são os seus julgadores. Oxalá comecem a ver ao seu lado ao menos defensores que fujam deste esmagador perfil único e reprodutor da divisão posta em nosso país. Oxalá ousemos questionar o racismo de estado, que há tanto aplica evidente recorte de cor em sua política de aprisionamento, desde o momento da abordagem policial até o cumprimento de pena de tantas e tantos negros.
O próprio Conselho Superior da Defensoria Pública espelha essa triste realidade excludente, bastando que se verifique quantos negros e índios ocupam as cadeiras do conselho, num país onde a minoria é branca”.
As imagens são contundentes, assim como forte é o texto. Com certeza, como a mais democrática das Defensorias pode cobrar da USP o respeito às ações afirmativas, se nas suas salas se repete a tradição da casa grande e senzala? Como os negros aos quais a Defensoria oferece o seu apoio devem encarar essa multidão branca, que se multiplica nos tribunais, de um lado os acusando; de outro, os defendendo; e, como se não bastasse, ainda os julgando e decidindo suas vidas?
Na Petição, Luciana Zaffalon encaminha ao Conselho Superior da Defensoria Pública outros anexos, como uma consulta à Coordenadoria Geral de Administração e, principalmente, o anexo I, que é o Parecer Jurídico elaborado por Sílvio Luiz de Almeida, Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e Presidente do Instituto Luiz Gama, no qual ele aborda questões centrais, como a:
1. Construção de base jurídica que permite afirmar a autonomia institucional da Defensoria para traçar o seu modelo de cotas, a exemplo do que fez o Rio de Janeiro, e a conveniência e oportunidade histórica de assim caminharmos; e
2. Indicação de desenho prático, que contempla tanto o procedimento de reserva de vagas, como o destino das vagas remanescentes após o preenchimento das cotas.
E a Ouvidora Geral encerra afirmando:
“É possível, com o compromisso deste Conselho Superior, incluirmos a perspectiva da democratização do acesso à justiça também com relação à composição dos quadros de operadores públicos do direito, visando contemplar, também na Defensoria Pública de São Paulo, as novas dimensões da cidadania e a necessária nova configuração dos aparelhos do Estado, com ações afirmativas que promovam sua diversidade étnico-racial – iniciativa que reitera e fortalece, ademais, a tradição de construções democráticas institucionais e de tutela dos direitos humanos”.
Um belo fecho ao qual tenho a certeza de que o CSDP não será insensível. Afinal, tod@s sabemos que democratizar o sistema de Justiça é um imperativo na construção da democracia. E nesse campo A Defensoria de São Paulo vem se mantendo na vanguarda há alguns anos.
Fora isso, que Luciana Zaffalon cada vez mais honre o papel para o qual foi indicada pela sociedade civil paulista. Parabéns a ela e àqueles e àquelas que a escolheram.
E que em breve nem todas as caras presentes na Avenida Liberdade 32, atendendo a quem delas precisa, tenham a mesma cor!
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Para quem desejar consultar os documentos mencionados, é só clicar AQUI, e eles poderão ser acessados em PDF.