João Pedro Stédile
Desde a campanha das “Diretas Já”, na década de 1980, não tínhamos mobilizações de rua tão vigorosas. Os protestos que eclodiram com a indignação da juventude foram apenas a ponte de um iceberg dos graves problemas sociais e econômicos que persistem na nossa sociedade.
De um lado, as grandes cidades se tornaram um inferno, em que os trabalhadores pagam caro por um transporte público de má qualidade. Além disso, ficam de duas a três horas no trânsito, que é um tempo perdido de suas vidas.
Quem se iludiu com as facilidades para comprar um carro, financiado pelo capital financeiro internacional, está se dando conta que pagou caro e não consegue andar. Já as montadoras e bancos associados nunca enviaram tanto dinheiro para o exterior como agora.
De outro lado, a vida política do país é uma vergonha. Os parlamentares representam apenas seus financiadores de campanha. O Poder Judiciário é um poder oligárquico, sendo o último dos poderes ainda não republicano.
Todos os dias saem notícias de suas falcatruas, que ficam impunes. Até o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, usou recursos públicos para assistir um jogo da seleção brasileira… A Rede Globo não denunciou e, coincidentemente, acaba de contratar o filho do ilustre magistrado. Tudo a ver!
A mesma Globo que foi multada pela Receita Federal por sonegação milionária de impostos, na compra dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002: a empresa deve, segundo a Receita, R$ 650 milhões de reais aos cofres públicos.
A emissora também recebeu do governo estadual e da prefeitura do Rio de Janeiro uma bagatela de R$ 20 milhões para promover com dinheiro público um espetáculo de apenas duas horas durante o sorteio dos jogos da Copa das Confederações, realizado no Rio Centro no ano passado.
A Rede Globo se achava a porta-voz do povo. Ledo engano. Mal consegue enganar os telespectadores das novelas. Um dos gritos da juventude que mais se repetiram nas ruas foi: “Fora a Rede Globo!” Com isso, pipocam atos de jovens contra o monopólio da emissora e pela democratização das comunicações em todo o país.
Diante dos protestos, o governo Dilma teve que sair de seu pedestal para dialogar com as ruas, propondo uma reforma política, uma assembleia constituinte e um plebiscito popular. E, finalmente, a presidenta passou a se reunir com os setores organizados, o que não fez ao longo de dois anos e meio de mandato.
As elites tentam controlar as ruas e impor uma pauta de direita. No entanto, não conseguiram. Sobrou-lhes o papel de atiçar uma polícia despreparada e infiltrar grupos fascistas e serviços de inteligência das polícias para provocar violência e descaracterizar o movimento. Não conseguiram. Quanto mais reprimem, mais o povo se rebela.
Movimento sindical e popular nas ruas
Chegou a vez do povo organizado nos movimentos sociais, no movimento sindical e nas pastorais fazerem mobilizações. Pela primeira vez, depois da derrota nas eleições de 1989, não se via uma unidade popular tão ampla.
Diversas plenárias uniram partidos de esquerda, centrais sindicais e movimentos sociais organizados em torno de uma plataforma política comum, que parte da luta pelo transporte público gratuito e de qualidade e avança para reformas estruturais que a classe trabalhadora precisa e luta há muito tempo.
O primeiro dia de luta do conjunto das organizações está marcado para 11 de julho. Serão realizadas paralisações, greves e marchas em todo o país para enfrentar os setores conservadores e empurrar o governo para a esquerda.
Um dos pontos dessa plataforma comum é a reforma política. É preciso passar a limpo as regras da política brasileira para democratizar e criar mecanismos de efetiva participação popular.
Entre os itens necessários de mudanças, está o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, o direito do povo convocar plebiscito populares a partir de um abaixo-assinado e revogar mandatos daqueles que não respeitarem os compromissos de campanha.
Para fazer essas mudanças, só há um jeito: convocar uma Assembleia Constituinte Exclusiva. A maior parte dos políticos que está no Congresso, eleitos em campanhas milionárias pagas por grandes empresas, não aceita mudar o sistema político. Assim, a única forma de viabilizar uma constituinte é fazer de imediato um plebiscito popular.
A presidenta Dilma ficou motivada com a voz das ruas e promoveu esse debate. Porém, sua base política e parlamentar começou a boicotá-la, colocando todos os obstáculos possíveis. Por isso, essa disputa tem de ser resolvida nas ruas. A reação ao plebiscito e à assembleia constituinte demonstra a resistência para fazer mudanças e reforça a necessidade de levar a cabo essas propostas.
Mudanças necessárias
Além da reforma política, há um conjunto de demandas históricas dos movimentos sindical e popular que estão entaladas na garganta do povo e nas gavetas dos palácios. Abaixo, conheça seis pontos da plataforma das organizações da classe trabalhadora:
1- Aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário. Na Europa, o capitalismo em crise já pratica 36 horas.
2. Arquivamento da PEC que implementa a terceirização das relações de trabalho, enterrando a CLT, que é a garantia dos direitos dos trabalhadores.
3- Uma reforma tributária progressiva, para que os impostos pesem mais sobre os ricos, com taxação das fortunas, e diminuam sobre os trabalhadores pobres.
4- Prioridade da aplicação dos recursos públicos em saúde, educação e transporte público de qualidade, em vez do pagamento da dívida pública e superávit primário.
5- Suspensão dos leilões do petróleo e das outorgas de exploração de minérios que só beneficiam as empresas transnacionais.
6- Implementar a Tarifa Zero nos transportes públicos para toda população. Essa proposta é viável tecnicamente, por meio do investimento de recursos públicos existentes, sem necessidade de aumentar impostos. Basta comparar o subsídio da Prefeitura de São Paulo para os transportes, ao redor de R$ 1 bilhão, com os recursos destinados para construir um túnel no Morumbi, que custaria R$ 2,4 bilhões para atender a necessidade da elite paulistanas. Felizmente, a licitação encaminhada pelo governo Kassab foi agora suspensa depois do ronco das ruas.
Mobilização crescente
Em várias cidades do Brasil, categorias de trabalhadores e setores sociais continuam fazendo mobilizações massivas. Petroleiros, bancários, metalúrgicos e professores intensificam a mobilização.
Em São Paulo, o sindicato de policiais civis e servidores das penitenciárias se mobilizaram. Aconteceram também revoltas populares em várias cidades contra os preços abusivos dos pedágios, além de protestos dos caminhoneiros.
Os trabalhadores rurais de todo o país, que se organizam em dezenas de movimentos sociais, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), movimentos de pescadores, quilombolas, povos indígenas, mulheres camponesas, as pastorais rurais, além do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), se somarão às mobilizações.
Os movimentos do campo preparam uma plataforma comum, que entregaram para a presidenta Dilma em audiência, pautando os seguintes pontos:
1. Recuperar a soberania nacional sobre as terras brasileiras. Propomos que o governo anule as áreas já compradas e desaproprie todas as terras controladas por empresas estrangeiras.
2. Acelerar a Reforma Agrária e que sejam assentadas imediatamente as milhares de famílias acampadas à beira das estradas.
3. Políticas públicas de apoio, incentivo e crédito para produção de alimentos baratos, saudáveis, sem venenos com o fortalecimento do campesinato. E adoção de programas estruturais para a juventude e para as mulheres do campo.
4. Garantir os direitos dos povos do campo, com o reconhecimento e demarcação imediata das terras indígenas, quilombolas e dos direitos dos atingidos por barragens, territórios pesqueiros e outros.
5. Banir imediatamente os agrotóxicos já proibidos em outros países do mundo, a proibição das pulverizações aéreas e políticas de redução do uso de agrotóxicos no campo. E profunda revisão na política de liberação dos transgênicos e controle social.
6. Implementação pelo governo de uma política de controle do desmatamento das florestas em todo país e apoio à recuperação de áreas degradadas e de reflorestamento pela agricultura familiar e camponesa.
7. Cancelamento da privatização dos recursos naturais como água, energia, minérios, florestas, rios e mares. Propomos a retirada do regime de urgência no congresso nacional do projeto de Código de Mineração, e que o governo/congresso faça um amplo debate nacional com os trabalhadores brasileiros, para produzir um novo código de acordo com os interesses do povo brasileiro.
8. Implementação imediata de programas para erradicar o analfabetismo e garantir escolas em todas as comunidades rurais.
9. Suspensão de todos os leilões de privatização de áreas de perímetros irrigados no nordeste e destinação imediata para o INCRA realizar assentamentos para agricultura familiar e camponesa e adoção de políticas estruturais para democratização da água e para ajudar as famílias a enfrentar as secas.
10. Fim da lei Kandir, que isenta de impostos as grandes empresas exportadoras de matérias primas agrícolas, energéticas e minerais.
Portanto, o 11 de julho será dia de grande mobilização nacional, com milhões de trabalhadores nas ruas em todo país, exigindo mudanças verdadeiras, profundas e estruturais, como a reforma política que depende da manutenção do plebiscito popular.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Sonia Rummert.