Camila Nobrega e Mariana Claudino
Do Canal Ibase
Eles tinham 120 segundos, contados nervosamente na cabeça. Era o tempo entre o finalzinho da apresentação da cantora Ivete Sangalo e a saída de todos os voluntários do gramado do Maracanã, para o encerramento da abertura da final da Copa das Confederações. Foram necessários, no entanto, menos de dez segundos para mostrarem dentro do templo do futebol do país o reflexo da indignação que tomou as ruas nas últimas duas semanas. Em meio ao excesso de controle da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que entrava em confronto com os manifestantes nas imediações do estádio minutos antes do início do jogo, dois recados atravessaram o bloqueio. O primeiro: “Pela imediata anulação da privatização do Maracanã”, figurou em uma faixa azul aberta por dois integrantes da coreografia. O segundo, “Ser gay é… mara. Aberração é preconceito”, apareceu em seguida na faixa de um terceiro voluntário.
Desde domingo, eles receberam centenas de recados nas redes sociais e aparecem em fotos replicadas milhares de vezes na internet. Na maioria dos casos, com legendas de apoio ao protesto e outras bem-humoradas como “bolinhas-ninja” “bolinha manifestante” ou “joaninhas revolucionárias”, apenas para mencionar algumas. As expressões se referem à fantasia que utilizavam no momento do protesto, carregando uma estrutura que representava uma bola. Mas eles têm rosto, nome e histórico de participação nos movimentos. Os atores Claudia Wer e Elton Moraes foram os responsáveis pela faixa contra a privatização do “Maraca” e o também ator Alex Tietre levantou sozinho o protesto contra a homofobia.
– Quem disse que o povo não passou o bloqueio da polícia e da Fifa? Estávamos lá representando os manifestantes e quebrando a redoma dos ideais de uma cidade perfeita cuja imagem está sendo protegida para passar no exterior. Se o povo nas ruas estava ‘atrapalhando’ o grande show da final da Copa, ele também chegou ao Maraca – disse Claudia.
Durante os ensaios para a coreografia que abriria a final da competição, ela decidiu usar a oportunidade que teria dentro do gramado para levar um pouco do que tem acompanhado em protestos no Rio de Janeiro. Sondou alguns outros manifestantes em conversas, até achar Elton, que dividia a mesma preocupação. Na sexta-feira anterior à final, eles aproveitaram o único ensaio dentro do Maracanã para contar o tempo disponível que teriam para o protesto e decidiram o tema. Entre muitos possíveis, a privatização do principal estádio de futebol do país foi eleita, já que ele seria o cenário da apresentação. Como contamos em reportagem publicada nesta segunda-feira no Canal Ibase, a terceira reforma consecutiva do Maracanã custou aos cofres públicos R$ 1,2 bilhão e uma concessão foi feita a empresas que agora o administram.
A motivação maior para levar à frente o protesto veio, segundo a atriz, no próprio dia da apresentação. De manhã, eles caminharam nas imediações do estádio e acompanharam uma manifestação que havia saído da Praça Saens Pena. Viram, nesse caminho, vários caveirões e, para entrarem no Maracanã, tiveram que mostrar a credencial a muitas fileiras de policiais.
– A sensação era de que um campo de guerra estava montado ao redor do estádio para frear os protestos. E nós estávamos lá para fazer um show perfeitinho, como se nada estivesse acontecendo – afirmou Cláudia. – A plateia dentro do Maracanã também me impressionou. Eu procurei, mas não achei muitos negros. Vi muita gente do lado de fora que queria muito estar dentro e não teria como pagar. É esse Maraca que queremos?
Elton Moraes, morador do município de São Gonçalo, conta que a bandeira que gostaria mesmo de levantar seria a da reforma política:
– Precisamos da reforma, a estrutura do Congresso e nosso sistema político precisam ser revistos.
Ele se inscreveu como voluntário para ter a chance de assistir à final, mas descobriu que os participantes da coreografia não teriam esse direito. Resolveu se manter no grupo para fazer o protesto e encontrou Claudia, que fechou a parceria. Devido à elitização do público do Maracanã e ao fato de o estádio ter sido escolhido como palco da festa, fizeram a faixa contra a concessão:
– Como bom flamenguista, sei que a maioria do público do Maraca sempre foi de baixa renda. Uma cultura de massa como o futebol não pode ser elitizada dessa maneira.
Cláudia tem participado das manifestações nas ruas e faz parte do coletivo “Reage, artista”, que prepara intervenções artísticas de cunho político para serem realizadas na Lapa, no Centro do Rio. Ela afirma que, embora ela e Elton tenham sido retirados às pressas do gramado e a Fifa tenha retirado do YouTube os vídeos que mostravam o protesto, os rumores de que eles sofreriam retaliações mais sérias não estão se confirmando.
Voluntário se torna ícone do Orgulho Gay
Quando se inscreveu para ser voluntário de elenco no encerramento da Copa das Confederações, o ator Alex Tietre só queria levar a experiência para a sua Companhia de Teatro, no Paraná, que também faz grandes eventos.
– Logo no primeiro dia, fui ficando chateado com tudo o que cercava o evento. Envolve tanto dinheiro, e a gente ali, trabalhando de graça, sem estrutura. Enquanto isso, o povo nas ruas protestando, tentando ter voz… Eu me dei conta de que estava tudo errado e resolvi manifestar de alguma maneira.
O ator pediu sugestões de frases para os amigos no Facebook, na sexta-feira passada. Brincou que queria chamar mais atenção do que a Ivete Sangalo e chegou a cogitar fazer um protesto por saúde ou educação. Mas, quando ganhou a bandeira de uma amiga, na véspera do evento, não teve dúvidas.
– Pensei: “É isso!”. Eu já estava bem incomodado com as frases da Mara Maravilha, que deu uma péssima declaração em um programa de TV. Também estou muito indignado com o Marco Feliciano. Não entendo como uma pessoa como ele, cheia de preconceito, pode trabalhar com direitos humanos. Meu recado também foi para ele, mas quis fazer um protesto bem-humorado – contou Alex, que mora em Niterói há dois anos e foi às manifestações das últimas semanas com um nariz de palhaço.
Na confecção da faixa, ele brincou com o nome da Mara Maravilha e usou a gíria “mara”, com duplo sentido. No campo, pouco antes de levantar a bandeira, Alex percebeu que havia acontecido alguma censura com dois voluntários que também erguiam uma faixa. Eram Claudia e Elton.
– Fiquei com um pouco de medo, mas, ao mesmo tempo pensei que não estava sozinho . E ganhei mais coragem. Só deixei o meu protesto para o final porque não quis atrapalhar a coreografia. Soltei a bandeira logo depois de erguê-la, então ficou difícil me identificar – lembrou.
Depois da apresentação, Alex foi para uma área onde estavam os outros voluntários. E ali recebeu suas primeiras críticas, de outros voluntários, que argumentaram que ele poderia ter levantado outras questões, como a fome. Ele optou por atacar a homofobia, que acredita ser ainda um preconceito velado, assim como o racismo. Embora tenha erguido essa bandeira no estádio, o campo de luta diária é outro. Ele faz trabalhos sociais em hospitais e com crianças.
Alex ressaltou que os voluntários só puderam assistir ao jogo por um telão acompanhando de um lanche composto de refrigerante e pipoca. Ao chegar em casa e entrar nas redes sociais, o ator percebeu que já havia sido identificado e se assustou com a quantidade de comentários em sua página.
– A coisa tomou uma proporção enorme. Vi vários jovens gays que escreveram na internet algo como “Alex Tietre me representa”. Fui chamado agora há pouco por uma TV francesa para um documentário sobre esse tema. É meio assustador – disse ele, que recebeu muito apoio nas redes sociais, mas também críticas e até ameaças como “Você tem que ser curado com pauladas”.
Exatamente no momento em que as faixas eram exibidas dentro do Maracanã, a polícia entrava em confronto com manifestantes nas imediações do estádio. A confusão começou na Avenida Maracanã. Após o lançamento de uma bomba de fabricação caseira em meio aos manifestantes, os policiais usaram bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha para dispersar os grupos que até então protestavam de forma pacífica. A reação dos policiais ocorreu de forma desproporcional e sem focos específicos, como registrou a reportagem do Canal Ibase, que estava no local. Helicópteros da polícia e caveirões acompanhavam os protestos desde cedo. Os cenários, dentro e fora do estádio, eram completamente diferentes. A maioria dos manifestantes que gritavam nas ruas “o Maraca é nosso” nem sabe quando terá condição de entrar no estádio novamente. Os dez segundos do protesto, para eles, valeram a apresentação inteira que não puderam ver de perto.