Rogério Daflon e Camila Nobrega
do Canal Ibase
Toda cidade tem suas escolhas. A opção de se gastar um montante de mais de R$ 1,2 bilhão na reforma do Maracanã é algo razoável? Não, não é, afirmam urbanistas do Rio e especialistas de outras áreas, indignados com a terceira reforma do estádio. As mudanças em curso no “Maraca” estão também no topo da lista das críticas de manifestantes que tomaram as ruas do Rio de Janeiro, especialmente nos protestos deste domingo, enquanto a seleção brasileira se preparava para disputar a final da Copa das Confederações com a Espanha. Os preços de ingressos foram proibitivos para boa parcela dos cariocas. A crítica invadiu até os gramados do estádio. Antes do início da partida, um casal que fazia parte da coreografia oficial abriu uma faixa pedindo a “anulação da privatização do Maracanã”.
O gigante já havia custado aos cofres públicos mais de R$ 400 milhões em duas reformas anteriores: em 2000 e 2007, ou seja, um Engenhão inteiro fora torrado ali. E não para por aí. O Maracanã, parafraseando famoso refrão, não é mais nosso. Apesar de ser um bem tombado, o governo do estado derrubou a antiga cobertura com uma autorização apenas da superintendência do Instituto do Patrimônico Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que seria duramente criticada pelo próprio conselho do Iphan em Brasília. Com o estádio já quase pronto, o governo do estado fez uma concessão cuja concorrência foi vencida pelo grupo formado pelas empresas Odebrecht (com 90%), IMX Venues e Arena S.A (de propriedade de Eike Batista, com 5%) e AEG Administração de Estádios, que vão ficar à frente do estádio nos próximos 35 anos. E ainda faltam obras no entorno do estádio com previsão de mais de R$ 300 milhões.
O caso do Maracanã chama muita atenção, mas talvez haja outros ainda mais sérios, como o abandono do Morar Carioca, o programa de reurbanização de favelas. No dia 15 de outubro de 2010, em artigo assinado pelo prefeito Eduardo Paes e pelo presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Sérgio Magalhães, na página de opinião do jornal O Globo, o prefeito fez uma promessa que, se já era difícil de tornar-se factível, agora é impossível: a de urbanizar todas as favelas do Rio até 2020. Quase três anos depois do artigo, o cenário é de desolação entre os 40 escritórios que fizeram um concurso para o IAB àquela época, para pôr em prática o que seria o grande desafio dessa administração municipal.
– O programa foi abandonado. E, sinceramente, não sei se vou querer retomar um contrato com Eduardo Paes, que, em vez de fazer algo diferente do que se vê nas outras cidades, resolveu radicalizar a política de remoções – diz Jonathas Magalhães, arquiteto à frente de um dos 40 escritórios contratatos para, cada um, fazer o projeto de reubanização de 260 favelas.
Política de remoções na cidade viola direitos humanos
A prefeitura, de fato, preferiu adotar outra relação com as favelas: uma política de remoções com números ainda mais cruéis do que a do governador Carlos Lacerda (que removeu 31 mil pessoas nos anos 1960). São mais de 65 mil pessoas sendo expulsas de suas casas com total falta de transparência, de acordo com levantamento do arquiteto Lucas Faullhaber, da Universidade Federal Fluminense .
– A ideia dessa prefeitura é remover para se promover novos empreendimentos imobiliários. Para isso, ela tem modificado alguns padrões urbanísticos, como o de gabarito, a fim de induzir esse processo. Assim, o poder público desapropria e vende o terreno para esses empreendimentos imobiliários – afirma Lucas, ressaltando que a prefeitura usa como argumento que as favelas removidas eram áreas de risco. – Trata-se de um uso político do conceito de área de risco.
Na Vila Autódromo, moradores impedem a entrada da prefeitura
Na Vila Autódromo, na Barra da Tijuca, instalada num terreno cobiçado pelo setor imobiliário, o argumento de que a população está em área de risco não se sustenta. Ao tentar dar início ao processo de remoção, a prefeitura apontou casas próximas à Lagoa de Jacarepaguá como expostas a enchentes. Ocorre que o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ e o Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU) da UFF fizeram um plano de reurbanização com os moradores, no qual se prevê o reassentamento das famílias que moram à beira da Lagoa dentro da própria comunidade.
– A prefeitura quando vai à Vila Autódromo não vê as pessoas só tem olhos para os terrenos. Querem desocupar para vender – disse Jane Nascimento, moradora da comunidade, apontando um processo de desumanização na política adotada pela prefeitura.
Gisele Tanaka, arquiteta e pesquisadora do IPPUR, aponta uma estratégia perversa do poder público. Para ela, o caso da Vila Autódromo não é uma exceção no Rio.
– O prefeito, em suas declarações, tenta individualizar cada caso. Mas trata-se de um modelo de cidade que pretende abrir novas frentes imobiliárias no município. A classe média também vê a vida ficar mais difícil, porque as pessoas estão sendo varridas de todos os lugares. Mas é o pobre que recebe a violência direta.
Na Rocinha, a violência é não ouvir a população sobre a descontinuada obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo do estado pretende construir um teleférico na comunidade, à semelhança do que fez no Complexo do Alemão. Nos dois casos, o saneamento básico foi deixado de lado para dar lugar a uma solução de alto custo, de gosto duvidoso e que esvazia o comércio local.
Na Região Portuária, a opção é derrubar o Elevado da Perimetral, obra que vai custar alguns bilhões do dinheiro dos impostos e visa a melhorar a ambiência daquela área. Entender a relação custo-benefício disso numa cidade com tantas carências é uma missão impossível, já que o poder público municipal não quis discutir a queda do viaduto com a população.
O movimento que tem levado milhares às ruas do país se iniciou devido ao aumento das passagens de ônibus. Isso, para pesquisadores, também tem a ver com as escolhas de uma cidade. É importante entender todo o sistema empresarial que ocorre por trás do funcionamento das empresas de ônibus do Rio de Janeiro. Esse esforço tem sido feito por um grupo responsável pela campanha “Quem são os proprietários do Brasil”. Eles levantaram dados referentes ao Rio de Janeiro e descobriram que, de 2008 a 2013, R$ 250 milhões foram repassados pela prefeitura à Fetranspor pela prestação de serviços. Ou seja, a mobilidade dos cariocas é, atualmente, um negócio bilionário, como conta Alan Tygel, membro da cooperativa EITA – Educação, Informação e Tecnologias para Autogestão, que faz parte da campanha.
– Estamos tentando mostrar com dados concretos o que os movimentos sociais já vêm denunciando há muito tempo no Rio de Janeiro. A profunda imbricação do poder econômico com o poder político permite um rateio das licitações entre pouquíssimas empresas. Mostramos isso no caso das empreiteiras, das empresas de ônibus e dos mega-projetos. Estamos tentando abrir a caixa-preta para qualificar a denúncia de que o Rio está sendo vendido ao grande capital, e assim municiamos os movimentos sociais através da abertura das informações.