O Quilombo de Porcinos localiza-se no município de Agudos, interior de São Paulo. Na zona rural, cercado por importantes agentes econômicos que fazem da região intensa área de especulação imobiliária. Com um passado marcado pela violência, fraudes cartoriais e grilagens, o Quilombo de Porcinos ainda tenta reverter essa realidade. Embora hoje as comunidades quilombolas tenham direitos diferenciados e todo um aparato legal, a comunidade, outra vez em sua historia, sofre com mais um processo expropriatório. Atualmente as terras da comunidade encontram-se em mãos de terceiros, e a comunidade dispersa pela região, pois em dezembro de 2010, às vésperas do Natal, sofrera uma violenta ação de reintegração de posse que a expulsou do último quinhão resguardado de seu território original. Hoje, em situação de extrema vulnerabilidade, que coloca em risco a continuidade do grupo, a comunidade aguarda providências dos órgãos responsáveis pelo reconhecimento e titulação.
O Quilombo de Porcinos tem sua origem em 1886 no testamento de Antônio Baldino Ferreira e sua esposa, Francisca Candida de Jesus, proprietários da Fazenda Areia Branca, localizada no Distrito da Freguesia de Fortaleza, no então município de Lençóis. Casal sem filhos, transmite sua propriedade aos seus escravos. Porém, ao longo do século XX a comunidade sofrera com violento processo de expropriação que reduzira a 2 alqueires seu território original, a Fazenda Areia Branca, herdada por seus antepassados em forma de testamento, tendo como confrontantes a Duratex e a Brahma, além de grandes proprietários. Esses 2 alqueires que se foram com a reintegração de posse.
Conclusões da Nota Técnica
Após estudos realizados para fins de elaboração da presente nota técnica, pode-se afirmar que:
1. As terras da Antiga Fazenda Areia Branca foram herdadas pelos escravos por meio de testamento, em 1886, e foram efetivamente ocupadas por escravos, ex-escravos e seus descendentes, formando uma territorialidade específica e um campo de ocupação predominantemente negro.
2. No espaço territorial correspondente às terras da Fazenda Areia Branca e seu entorno, os escravos e seus descendentes desenvolveram uma forma de organização social própria, com relativa autonomia econômica, integração ao mercado, relações de parentesco, compadrio e vizinhança como fatores centrais de sociabilidade.
3. Os atuais moradores reconhecem o vínculo existente com esse passado escravo. Os habitantes da comunidade, no momento da reintegração de posse e hoje dispersos, apresentam relações de parentesco com os escravos citados em testamento, sendo, portanto, os herdeiros das terras.
4. A condição compartilhada pelos membros do grupo diz respeito à descendência do primeiro grupo de escravos que herdam a fazenda, operando como elemento distintivo e definidor da identidade do grupo, inclusive no tange ao nome da comunidade, Porcinos, que remete à atuação profissional do ancestral, sendo este, juntamente com o sobrenome Melo, que também remete ao núcleo de origem, diacríticos de pertencimento que são carregados no nome.
5. A comunidade reconhece-se como pertencente a um mesmo e único universo que se relaciona com modos específicos com a sociedade envolvente, e reconhece-se enquanto “comunidade remanescente de quilombo”, apresenta sua certidão de auto reconhecimento e pleiteia a titulação das terras nos termos do Artigo 68 do ADCT.
6. As complexas redes de relações sociais constituídas nesse espaço ao longo de pelo menos duzentos anos delimitaram uma territorialidade específica, com elementos do uso comum, elementos, práticas, símbolos, representações e ações singulares, que diferenciam a comunidade e marcam elementos do grupo étnico.
7. Os atuais remanescentes de quilombo de Porcinos encontram-se dispersos, em situações delicadas, absorvidos por processos de favelização, situações estas que colocam em risco a existência e continuidade do grupo.
8. No plano social, quando o grupo ocupava o território, os laços se estabeleciam de maneira plena, durante celebrações populares, plantio e colheita, criação de animais e cultivo das roças, momento em que se articulavam redes de parentesco e sociabilidade, trocas e atualizações de pertencimento, dos moradores do local e daqueles descendente que residiam fora do espaço.
9. As terras que foram objeto da reintegração de posse representavam o único e último quinhão de terras que restou aos remanescentes de escravos com o intenso processo de perda fundiária ocorrido ao longo do século XX. Após a perda desse espaço, a comunidade dispersou-se e corre o risco de desintegrar-se enquanto grupo étnico. Tal quinhão, apesar de aparentemente isolados entre grandes propriedades, remonta a um território maior, área da antiga Fazenda Areia Branca, e os descendentes referem-se a várias localidades, os territórios da memória, que fizeram – e fazem – parte do extenso território constituído e cultivado por seus antepassados, perdidos ao longo do século.
10. A comunidade é representada pela Associação Espirito Santo da Fortaleza Porcinos, fundada em 25/07/2008, com sede na CRT 213 C Alimentadora Brahma, no. 97, e escritório na Rua Andrade Neves, Santa Cecília, ambas no município de Agudos, São Paulo.
11. Foi identificada demanda por reconhecimento de direitos territoriais nos termos do Artigo 68 do ADCT/ CF-88, objetivada em termos de extensão. Contudo, a primeira demanda da comunidade é retornas aos 2 alqueires que ocupava, o último quinhão alvo da reintegração, por figurar essa situação emergencial, e sequencialmente o grupo solicita continuidade da atuação dos órgãos responsáveis pelo processo de reconhecimento e titulação com vistas a esclarecimento e consolidação da demanda territorial.
12. A base da reivindicação do grupo está, no momento, posta em termos do retorno às terras objeto da reintegração, e expansão dos limites da área, uma vez que ela se refere à cerca de 5% do território original, de modo a que se possibilite melhor distribuição das residências e retorno das famílias hoje dispersas pela região, garantindo espaços livres para a implantação de moradias para as novas gerações.
13. Considerando ser de responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária a responsabilidade legal, e dispõe de equipe de apoio cartográfico, os trabalhos relativos à produção de mapas históricos e situação do pleito devem ser iniciados, assim como devem ser elaborados levantamento fundiário e da cadeia dominial, bem como o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, em caráter de urgência, uma vez que a comunidade encontra-se fora de seu território original, com sérios riscos à sua continuidade enquanto grupo étnico e portador de direitos diferenciados e assegurados tanto por convenções internacionais quanto pela Constituição Brasileira.
14. A relação de pertencimento está intimamente relacionada a um lugar no espaço, no qual os grupos asseguram sua reprodução, biológica e social, e sua permanência cultural, social e econômica. É através da interação do grupo com o espaço que a expressão identitária é assegurada. A terra e seus recursos naturais são apropriados pelos grupos étnicos, no caso por quilombolas, como uma espécie de patrimônio coletivo, sem valor comercial e cuja propriedade assegura a manutenção dos marcos de referência de sua história. As comunidades quilombolas possuem territorialidade específica, ou seja, formas próprias de apropriação e uso dos recursos naturais, diferentemente daquelas que predominam em sociedades organizadas através de valores eurocêntricos. Território, cultura, identidade e direito estão interconectados. Romper essa interconexão equivale a condenar as comunidades ao desaparecimento, físico e cultural, e violar direitos constitucionalmente assegurados. É o que se vê no caso em questão, a comunidade quilombola de Porcinos, situação que demanda urgência no andamento dos procedimentos de reconhecimento e titulação pelos órgãos competentes.
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