Do Portal IG
Em entrevista exclusiva ao iG , Gilmar Mauro, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que o movimento – responsável por um universo estimado em cerca de dois milhões de camponeses – está construindo uma aliança com setores urbanos para participar das manifestações e influenciar o governo Dilma a tomar medidas concretas para enfrentar os problemas sociais.
“As esquerdas se perderam e a elite puxou as manifestações para colocar a sua pauta. Houve uma despolitização na medida em que o governo negou o protagonismo dos movimentos sociais em conquistas históricas e os afastou da mediação. As manifestações pegaram a esquerda e os movimentos sociais fragmentados”, afirmou Mauro.
Que avaliação o senhor faz das manifestações?
É saudável, fundamental para o país e traz várias lições para nós. É preciso rever as formas de organização. O sistema atual não consegue mais organizar a classe trabalhadora. Então é necessário criar novas formas, horizontais e sem burocracia, mas sem jogar na lata de lixo o que foi construído. O MPL (Movimento Passe Livre) colocou na pauta reivindicações que são de todos os trabalhadores e evidenciou a crise. A principal lição é a de que sem luta não há conquistas.
A esquerda foi pega de surpresa?
O modelo político brasileiro, afetado por uma crise econômica planetária, está em crise. As esquerdas se perderam e a elite puxou as manifestações para colocar a sua pauta. Houve uma despolitização na medida em que o governo negou o protagonismo dos movimentos sociais em conquistas históricas e os afastou da mediação. As manifestações pegaram a esquerda e os movimentos sociais fragmentados.
O que mudou na conjuntura?
Apareceram outras formas de mediação dos conflitos. As bandeiras do MPL (Movimento Passe Livre), que tem oito anos e não é tão novo, foram transformadas em pauta nacional, em parte graças à truculência da PM ao reprimir as manifestações na avenida Paulista.
Qual o perfil dos manifestantes?
É um movimento novo. A maioria é formada por estudantes, mas no meio estão grupos de direita, como os neonazistas e neointegralistas. São eles que puxam o quebra-quebra. Soube pela dirigente do DCE da Universidade Nove de Julho, que lá eles tomaram até o megafone e os estudantes se viram obrigados a se retirar.
A direita está disputando as ruas ao lado de alguns grupos de militares da direita raivosa. Eles são fracos, mas existem e estão mobilizados. O polo dinâmico das manifestações são as insatisfações da classe média. Nós, camponeses e operários, até agora não havíamos nos posicionado, mas estamos construindo uma aliança e ainda não entramos na luta.
O que vocês farão a partir de agora?
Vamos para as ruas disputar espaços com a direita. Se apanhar, vai apanhar todo mundo. Não é oportunismo. Estaremos ao lado dos estudantes e com uma pauta na mão: contra os leilões da Petrobras, pelas 40 horas semanais de trabalho, a reforma agrária, democratização dos meios de comunicação, reformas política e urbana. Nas reuniões das entidades não foi colocado, mas defendo a moratória da dívida pública para que o governo possa investir no social. O governo gasta, por exemplo, 49% do orçamento para pagar os serviços da dívida e 0.22% para a reforma agrária. A rua é o lugar de colocar essas bandeiras.
Onde esse movimento pode chegar?
A crise são janelas que se abrem e ninguém sabe com certeza o que apontarão. Pode avançar ou regredir. Nós progressistas temos responsabilidade de não deixar recuar. A direita tem clareza de que os trabalhadores até agora estavam apenas assistindo. Não temos dúvida de que se a direita tivesse hoje o controle das manifestações, avançaria para uma campanha tipo “Fora Dilma”. Apostam nisso ou, no mínimo, para fazer o governo sangrar até o fim, como preparativo para as eleições do ano que vem.
Vocês acham que o objetivo é derrubar a Dilma?
Há três correntes de pensamento nos movimentos sociais sobre a hipótese de golpe: uma diz que está fora de cogitação e que, portanto, não se discute a probabilidade. Outra que enxerga riscos e que devemos nos preocupar. Entre essas duas correntes tem o meio termo, que não vê as coisas com paranoia, mas acha que é preciso ficar atento porque o quadro é indefinido e o recomendável é não desqualificar as forças da direita. Acho que o quadro não é de paranoia nem de tranquilidade ingênua. Há um indicativo claro de antiesquerdismo nas manifestações. Acho que não se deve superestimar a direita e nem fechar os olhos.
Quais são os atores nesse jogo?
Gilmar Mauro: A grande dúvida é sobre o papel que Lula jogará nesse processo. Ele tem força com a classe trabalhadora, mas ainda não disse o que fará. Nós do MST queremos fugir do debate eleitoral. Não nos interessa. É um equívoco e seria oportunismo político.
A Dilma está jogando xadrez: colocou um bodão na sala da oposição e a deixou na defensiva. Também não vamos ficar na defesa burra do governo, tipo David Luiz ( da seleção, que permitiu um pênalti contra a Itália ). Dilma deve apontar soluções concretas para os problemas sociais ou arcar com os riscos de desgaste se ficar só no genérico.
Como vocês reagiriam a um eventual avanço da direita contra o governo?
Até agora não tem nada colocado claramente, mas não dá para descuidar porque nada, nem mesmo um pedido de impeachment, está descartado. A direita está se articulando contra governo e contra a abertura de espaços para o poder popular. Acho que o que ocorreu no Paraguai deve servir como alerta.
Dilma corre o mesmo risco, mas aqui não deixaríamos acontecer o golpe que derrubou Lugo ( Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai que foi alvo de impeachment relâmpago ). O Brasil vai progredir, sim. Não daremos nenhum passo atrás e nem entregaríamos o poder à direita. Esse é o limite. E se houver uma tentativa de impeachment para derrubar o governo, resistiremos do jeito que for necessário.
Onde entra a bandeira da reforma agrária?
Temos 400 mil famílias assentadas, 80 mil acampadas _ contingente dentro da série histórica, com exceção do governo Lula, quando os acampados chegaram a 200 mil – e cerca de 20 mil militantes. Para o movimento o importante agora é recolocar a reforma agrária na ordem do dia e disputar espaços nas manifestações de rua. Nunca tivemos uma reunião com Dilma para discutir a questão fundiária, mas a crise a recoloca na ordem do dia. Estamos em mais de mil municípios e chamamos o interior e a periferia dos grandes centros para participar das mobilizações. O novo é o debate sobre o poder popular, que vamos puxar, fazendo a autocrítica e tirando lições do que está ocorrendo para uma discussão mais qualificada.
Que papel terá o MST na jornada que vem pela frente?
Na hora do pega temos um know-how, que foi construído na luta. Não queremos nos colocar à frente, como protagonistas, mas sabemos fazer a luta e onde formos convocados estaremos. Não temos a pretensão de dirigir os protestos e sim de participar com a humildade que o momento histórico requer. O importante é unificar trabalhadores rurais e urbanos numa pauta comum para fazer o país avançar.