Se você forma sua opinião baseado nas milhares de correntes apócrifas que circulam pela internet, parabéns. Você é, oficialmente, um otário. Ou quer muito ser um.
Nunca entendi muito bem porque as pessoas acreditam piamente naquilo que recebem aleatoriamente em suas caixas de mensagem. Será que entendemos o anonimato daquilo que é apócrifo como uma espécie de “sinal” divino? Do tipo: “Senhor, dê-me os números vencedores do jogo do bicho!” – e, minutos depois, você interpreta uma foto de um pug com um chapéu de orelhas grandes, que chegou acidentalmente por e-mail, como resposta para apostar no “coelho”.
Vai que, da mesma forma que o Altíssimo escreve certo por linhas tortas, ele também “emeia” justo por internet frouxa, não é?
O mais interessante é que algumas dessas mensagens contam com mentiras tão bem construídas que tem mais gente acreditando nelas do que em boas matérias, com dezenas de fontes, feitas por jornalistas com decantada credibilidade, que – com paciência e tristeza – desmentem ou explicam o caso.
– Pô, o texto é super bem escrito. Não deve ser falso.
– O e-mail trouxe vários números. Ou seja, não pode ser mentira.
– Ele tem fotos. É mais difícil manipular fotos.
– Envolve o filho do Lula/a filha do Serra, então, vai por mim, é fato.
– Recebi isso do Ronaldo, irmão da Ritinha, casada com o Roberval, filho do seu Romeu, lembra? É, Ro-meeeeeu, mano. Ele repassou um e-mail que recebeu do Rui, que é chefe dele na Ramos e Ramos, aquela empresa de retroescavadeiras. Homem decente o Ronaldo… então é coisa séria.
Até porque é muito mais quente e saboroso acreditar que todas as desgraças do mundo são causadas por um político X ou Y do que lembrar que, não raro, o comportamento bizarro deles não é muito diferente do que fazemos no microcosmo. Lá como reflexo daqui, pois somos feitos do mesmo caldo. Mas culpar o espelho, assusta, não? E não é tão glamouroso quanto personificar o mal na figura do outro.
A rede mundial de computadores nos abriu um mundo de possibilidades. Hoje, um leitor – se quiser – consegue acessar fontes confiáveis e encontrar números, checar dados, trocar ideias com amigos, comparar governos ou mesmo desmentir pataquadas. Então, mexa esse traseiro gordo e faça uma análise dos fatos, a sua análise. Não jogue fora sua autonomia por conta de uma mensagenzinha mequetrefe. E cuidado! Ao se debruçar sobre questões do seu cotidiano, ao informar-se, debater com outras pessoas, você vai estar fazendo Política, com “P” maiúsculo e não fofoca. E enterrando muitos dos preconceitos que hoje professa. Em suma, mudando de fato o “estado das coisas”.
Coisa que o Povo do Spam não quer. Pois, o Povo do Spam quer você ignorante para que seja massa burra de manobra.
Algumas mensagens de spam travestem opinião como dados isentos e descontextualizam ou ocultam fatos que não são interessantes para o argumento defendido. Trago novamente algumas sugestões reunidas tempos atrás por Rodrigo Ratier, jornalista e mestre em pedagogia, grande especialista na área de educação e comunicação, para usar a lógica a fim de perceber problemas nos textos.
Quem já adota essas ferramentas, pode parar a leitura por aqui e vá apagar o lixo acumulado na caixa de entrada. Caso contrário, fica aqui a sugestão:
“A camisinha não protege contra o vírus HIV. A epidemia de Aids cresceu justamente porque se confia nessa proteção”, disse um bispo certa vez.
Desconfie dos argumentos de autoridade. Não é porque o Papa, o Patriarca de Istambul ou a Bispa Sônia disseram algo que você tem que acreditar, não é? O mesmo vale para o presidente da sua associação de moradores ou o diretor do seu sindicato. É preciso provar o que se diz. Exija confirmação dos fatos ou vá atrás dela.
“Não ouviremos as posições do antropólogo Luiz Mott sobre o casamento gay: ele é homossexual.”
?Para desmontar um discurso, não se ataca o argumentador, mas sim o argumento.
“Nesta eleição, vamos escolher entre um Sartre e um encanador.”
Não se ridiculariza o outro apenas por ser seu adversário.
“Antes do MST existir, não havia violência no campo.”
Falsa relação de causa e consequência – um fato que acontece depois do outro não necessariamente foi causado pelo primeiro.
“Na guerra contra o terrorismo, ou você apoia a invasão do Iraque ou está alinhado com o mal.”
?É errado excluir o meio termo. Um debate maniqueísta é mais fácil de ser entendido, mas o mundo real não é um Palmeiras e Corinthians, um Fla-Flu, um Grenal, enfim, vocês entenderam.
“Ou se dá o peixe ou se ensina a pescar.”
Isso é uma falsa oposição. Não se opõe curto e longo prazo necessariamente. Uma ação não invalida a outra. Elas podem ser, inclusive, subsequentes ou coordenadas.
“Isso não é demissão. A empresa apenas avisou que precisará passar por um redimensionamento do quadro de colaboradores.”
Não se deixe levar pelos eufemismos. Nem por quem fala bonito. Uma pessoa pode te xingar e você, às vezes, nem vai perceber se não se atentar para as palavras que ela escolheu.
“Avenida Faria Lima, Águas Espraiadas, Imigrantes, Minhocão, Rodovia dos Trabalhadores: alguém aí consegue imaginar São Paulo sem todas essas obras feitas pelo Maluf?”
Desconfie dos e-mail que contém um monte de acertos de alguém e ignorem, solenemente, os erros.