Marcos Camponi – Folha Política
O grupo “Comrades from Cairo” agradeceu, em carta aberta, aos brasileiros e turcos pelo que chamaram de “protestos inspiradores”.
Comentaram que, apesar de Brasil, Turquia e Egito apresentarem realidades sociais diferentes, a luta de tais países é unida pelo fato de que “nós todos temos sido condenados por círculos fechados que desejam que se perpetue esta falta de visão de qualquer bem para as pessoas”.
Comentaram a concepção que receberam do governo brasileiro coetâneo: “No Brasil, um governo enraizado numa legitimidade revolucionária provou que seu passado é somente uma máscara usada enquanto seus parceiros da mesma ordem capitalista exploram as pessoas e a natureza”.
A carta foi marcada por uma feição aparentemente revolucionária, anticapitalista, internacionalista, liberal e anti-opressiva.
Aparentemente, os componentes do grupo egípcio não estão cientes da abrangência e da amplitude que os levantes brasileiros atingiram, haja vista a citação enfocada no Movimento Passe Livre, o qual, há tempo razoável, abandonou as manifestações, além de não ter envolvimento – e ter declarado, inclusive, oposição – com as motivações da maior parte da população brasileira manifestante.
Qual é a sua posição a respeito? Leia a íntegra da carta abaixo.
Carta aberta do coletivo ativista egípcio “Comrades from Cairo’
A você do lado em que lutamos,
30 de Junho irá marcar um novo estágio de rebelião para nós, construindo em cima do que iniciamos nos dias 25 e 28 de Janeiro de 2011. Desta vez, nós nos rebelamos contra o reinado da Irmandade Muçulmana, que trouxe apenas mais das mesmas formas de exploração econômica, violência policial, torturas e mortes.
Referências à vinda de “democracia” não têm relevância quando não existe a possibilidade de se viver uma vida decente, sem sinais de dignidade e um padrão de vida decente. Os pedidos por legitimidade através de um processo eleitoral nos distraem da realidade de que no Egito, nossa batalha continua porque vivemos a perpetuação de um regime opressivo que mudou sua face, mas mantém a mesma lógica de repressão, austeridade e brutalidade policial. As autoridades mantêm a mesma falta de qualquer prestação de contas para o público, e as posições de poder se traduzem em oportunidades de conquistar riqueza e influências pessoais.
O dia 30 de Junho renova o grito da revolução: “As pessoas querem a queda do sistema”. Nós vislumbramos um futuro governado nem pelo autoritarismo e capitalismo da Irmandade, nem por um aparato militar que mantêm o controle da vida política e econômica, nem pelo retorno das velhas estruturas da era Mubarak.
Embora nossas redes ainda sejam fracas, nós desenhamos esperança e inspiração dos recentes levantes, especialmente na Turquia e no Brasil. Cada um nasceu de realidades políticas e econômicas diferentes, mas nós todos temos sido condenados por círculos fechados que desejam que se perpetue esta falta de visão de qualquer bem para as pessoas. Nós nos inspiramos na organização horizontal do Movimento Passe Livre, iniciado em 2003 na Bahia, Brasil; nós nos inspiramos nas assembleias públicas lotadas que vemos por toda a Turquia.
No Egito, a Irmandade insiste em acrescentar o viés religioso a todo o processo, enquanto a lógica de um neo-liberalismo localizado acaba com as pessoas. Na Turquia, uma estratégia de crescimento agressivo do setor privado se traduz em regras autoritárias, a mesma lógica da brutalidade policial como arma primária para oprimir a oposição e qualquer tentativa de outras alternativas. No Brasil, um governo enraizado numa legitimidade revolucionária provou que seu passado é somente uma máscara usada enquanto seus parceiros da mesma ordem capitalista exploram as pessoas e a natureza.
Essas lutas recentes compartilham de batalhas muito mais antigas dos Curdos no Oriente Médio e dos indígenas na América Latina. Por décadas, os governos Turco e Brasileiro tentaram (e falharam) calar estes movimentos de luta pela vida. Sua resistência contra a repressão do Estado foi a precursora desta nova onda de protestos que se espalharam pela Turquia e pelo Brasil. Vimos uma urgência em reconhecer a profundidade de nossas lutas e procurar formas de amplificarmos nossas vozes em novos lugares, vizinhanças e comunidades.
Nossas lutas compartilham um potencial de se opor ao regime global de Estados-Nações. Na crise e na prosperidade, o Estado continua a desapropriar e privatizar tudo para preservar e expandir a riqueza e o privilégio daqueles que estão no poder.
Nenhum de nós está lutando isolado. Nossos inimigos são os mesmos do Bahrein, Brasil, Bósnia, Chile, Palestina, Síria, Turquia, Curdistão, Tunísia, Sudão, Saara, e Egito. E a lista continua… Por todo o lado eles nos chamam de criminosos, vândalos, arruaceiros e terroristas. Nós não estamos lutando só contra a exploração econômica, a violência policial descarada e um sistema jurídico ilegítimo. Não são por direitos ou reformas cidadãs que estamos lutando.
Nós nos opomos ao Estado-Nação como uma ferramenta centralizada de repressão, que possibilita às elites locais sugarem nossas vidas e poderes globais para reter sua dominação sobre o dia-a-dia das pessoas. Nós não estamos requisitando a unificação ou equalização de nossas várias batalhas; mas a estrutura de autoridade e poder contra qual nós devemos lutar, desmantelar, e trazer abaixo é a mesma. Juntos, nossa luta é mais forte.
Nós queremos a queda do Sistema.”
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Compartilhada por GleiceOliveira Guarani-Kaiowá.