Para Carlos Augusto, a ditadura finalmente acabou. Solidariedade à sua família

Carlos Alexandre Azevedo aos 37 anos, em 2010. Foto: Isto É

Tania Pacheco

Em 20 de janeiro de 2010, a Isto É Independente publicava matéria com o título “A ditadura não acabou“. Nela, era contada a história do filho de dois ativistas de esquerda, Dermi e Darcy Azevedo. Num dia de janeiro de 1974, Darcy deixou o filho de 1 ano e oito meses com a babá e saiu à procura do marido, desaparecido e, na verdade, já preso. Quando os agentes do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops) chegaram, mandaram que os dois ficassem imóveis no sofá, enquanto revistavam a casa. A moça ficou; o menino de 20 meses, não. À primeira bofetada, dada ainda na casa, seguiram-se mais de 15 horas de agonia, durante as quais o menino seria submetido a choques e sevícias, antes de ser liberado e entregue aos avós, já que sua mãe também havia sido presa, poucas horas depois. A reportagem fala de Carlos Augusto então com 37 anos e sérios problemas que o acompanharam durante toda a vida,  impedindo-o de levar uma vida social normal, além de o levarem a diversas tentativas de suicídio.

Esta madrugada o pesadelo para ele acabou. O texto abaixo foi escrito por seu pai, o jornalista Dermi Azevedo, e socializado por amigos na internet:

“Meu coração sangra de dor. O meu filho mais velho, Carlos Alexandre Azevedo, suicidou-se na madrugada de hoje, com uma overdose de medicamentos. Com apenas um ano e oito meses de vida, ele foi preso e torturado, em 14 de janeiro de 1974, no DEOPS paulista, pela “equipe” do delegado Sérgio Fleury, onde se encontrava preso com sua mãe. Na mesma data, eu já estava preso no mesmo local. Cacá, como carinhosamente o chamávamos, foi levado depois a São Bernardo do Campo, onde, em plena madrugada, os policiais derrubaram a porta e o jogaram no chão, tendo machucado a cabeça. Nunca mais se recuperou. Como acontece com os crimes da ditadura de 1964/1985, o crime ficou impune. O suicídio é o limite de sua angústia.

Conclamo a todos e a todas as pessoas que orem por ele, por sua mãe Darcy e por seus irmãos Daniel, Estevão e Joana, para que a sua/nossa dor seja aliviada.

Tenho certeza de que Cacá encontra-se no paraíso, onde foi acolhido por Deus. O Senhor já deve ter-lhe confiado a tarefa de consertar alguns computadores do escritório do céu e certamente o agradecerá pela qualidade do serviço. Meu filhinho, você sofreu muito. Só Deus pode copiosamente banhar-te com a água purificadora da vida eterna.

Seu pai
Dermi.

Comments (15)

  1. Engasgado, não sei como expressar o sentimento compartilhado de dor, raiva, pesar e solidariedade.
    Temos muito a purgar do passado tenebroso ainda nas brumas!
    Luz, ternura e paz para Cacá e os seus sofridos pais e irmãos!
    Seguimos na luta, também por ele, por eles!

  2. É impossível falar da tristeza que a notícia provocou. Em 1970 fui presa nesse mesmo DEOPS e meu filhote de 4 anos foi comigo. Felizmente a tortura dele não aconteceu,mas aconteceu o terror, o medo que sentia que fizessem algo com ele.Posso entender a dor de vocês e dizer ela também é minha. Esses assassinos precisam ser punidos, não por revanche, por justiça.
    Realmente não houve suicídio, houve um assassinato de longo período.

  3. FAÇO MINHAS AS PALAVRAS DE MARCELO HENRIQUE. NÃO É A PALAVRA DOS OPOSITORES QUE ASSUSTA E SIM A OMISSÃO DA GRANDE MAIORIA QUE PERMANECE INDIFERENTE. LÁGRIMAS ME VEEM DOS PÉS ,DO VENTRE, DO CORAÇÃO ,DA ALMA.

  4. Comentários sem nome e e-mail não são postados. Idem no que se refere a conteúdo ofensivo ou de incentivo ao racismo, ódio ou violência, que não foi o seu caso.

  5. Os formadores de opinião não podem, jamais, deixar de falar as desumanidades, como esta. Parafraseando, os gritos dos maus não me preocupam tanto…. me preocupa, sim, de verdade, o silêncio dos bons. No Brasil é muito futebol, muito carnaval, muita fórmula 1… pouca política, pouca consciência, pouca história. Forme opinião.

  6. E há quem diga que a ditadura brasileira foi branda , nós o povo brasileiro temos que estar atento e não desistir nunca de lutar ,para que estes assassinatos não passem em vão e fatos como estes não venham mais acontecer em nosso pais.

  7. muito corvarde é o nosso,Supremo tribunal Federal,por isso temos que sovre com estas notisias.não é um suicidio e sim um HOMOCIDIO.

  8. E agora quem é que vai pagar por isto, que vai aliviar a dor dessa família, que vai curar as chagas dessa tragédia, enquanto isso dorme a justiça que não leva a cabo a punição aqueles que macularam eternamente nossa história.

  9. A DITADURA NÃO ACABOU. NÃO HÁ REPARAÇÃO POSSÍVEL A UM CRIME COMO ESTE. MAS EXATAMENTE POR ISSO EXIGIMOS O DIREITO À VERDADE, À MEMÓRIA E À JUSTIÇA. QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL REVISE SUA ABSURDA POSIÇÃO SOBRE OS EFEITOS “PACIFICADORES” DA ANISTIA IMPOSTA PELA DITADURA MILITAR.

    Depois de um dia cansativo mas feliz, leio o Boletim “Combate ao Racismo Ambiental” da valorosa Tania Pacheco e fico com um gosto amargo na boca ao ler esta matéria, sobre a morte de Carlos Alexandre Azevedo, que aos 20 meses – sim, meses – de idade foi vítima de tortura pelos asseclas do fascismo militar de 1964, em razão de seus pais serem militantes da esquerda. O então bebê de 1 ano e 8 meses de idade jamais se recuperou, e nesta madrugada, quando tinha provavelmente 40 anos, teve uma overdose de medicamentos. Seu pai, em meio à dor dilacerante, menciona a expressão “suicídio”.
    Nossa indignação e solidariedade nos obriga a afirmar:
    NÃO FOI SUICÍDIO, E SIM ASSASSINATO: CARLOS ALEXANDRE AZEVEDO FOI MAIS UMA VÍTIMA DE HOMICÍDIO DA DITADURA MILITAR.
    E QUE A JUSTIÇA BRASILEIRA RESPEITE A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, OS TRATADOS INTERNACIONAIS CONTRA A TORTURA, E PERMITA QUE OS RESPONSÁVEIS POR ESTES CRIMES SEJAM JULGADOS E PUNIDOS.

  10. A morte não é nada
    Eu somente passei para o outro lado do caminho
    Eu sou eu, voces são voces
    O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.
    Me dêem o nome que vocês sempre me deram,
    Falem comigo como vocês sempre fizeram
    Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas,
    Eu estou vivendo no mundo do Criador
    Não utilizem um tom solene ou triste
    Continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.
    Rezem, sorriam, pensem em mim.
    Rezem por mim.
    Que meu nome seja pronunciado como sempre foi,
    Sem ênfase de nenhum tipo.
    Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.
    A vida significa tudo o que ela sempre significou,
    O fio não foi cortado.
    Porque eu estaria fora de seus pensamentos,
    Agora eu estou apenas fora de suas vistas?
    Eu não estou longe,
    Apenas estou do outro lado do caminho…
    Você que ai ficou, siga em frente,
    A vida continua, linda e bela como sempre foi.

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