Em Salvador, atenção à saúde da população negra corre risco, denuncia presidente do Conselho

Em 2005, na primeira gestão de João Henrique à frente da prefeitura da capital baiana, os secretários Gilmar Santiago (Reparação) e Luis Eugenio Portela (Saúde) se uniram para criar o Grupo de Trabalho Saúde da População Negra, tendo à frente a sanitarista Denise Ribeiro, com o objetivo de transversalizar políticas de saúde da população negra na Prefeitura Municipal de Salvador.

O GT tornou-se uma Assessoria de Promoção da Equidade Racial em Saúde, e atualmente é coordenado pela assistente social Silvia Augusto. Ao Correio Nagô, a coordenadora destacou os principais avanços desde que a política de equidade em saúde começou a ser implantada, há cerca de oito anos, no município: “Apesar da resistência, conseguimos implantar as questões raciais na Secretaria de Saúde, isto é um grande avanço. Podemos citar também que aprendemos a trabalhar em rede. Esta experiência pioneira possibilitou que as questões raciais em saúde fossem discutidas nas unidades de saúde”.

A coordenadora ressaltou também a criação do comitê técnico da população negra, que conta com o apoio de outras entidades como o Fundo de População das Nações Unidas / UNFPA e a Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu / Acbantu, que participam desta discussão junto à população negra de Salvador.

Em 2009, houve a implementação nacional da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, acompanhada por diretrizes para o enfrentamento da desigualdade social e racial nos municípios. Silvia Augusto afirma que a Política Nacional assegurou um maior respaldo para o que já vinha sendo praticado pela Secretaria Municipal de Saúde de Salvador. “Ganhamos mais espaço. Mas sempre houve este diálogo com o que estava sendo proposto na Política Nacional”, enfatiza a assistente social.

Os registros nas fichas de atendimento confirmam que os negros são maioria entre os usuários do Sistema Único de Saúde. Os quesitos raça/cor/sexo são dados importantes a serem preenchidos, pois possibilitam distinguir quais são os usuários mais vulneráveis e quais as doenças que mais afetam. Apesar da Política Nacional, essa iniciativa ainda enfrenta a dificuldade das pessoas assumirem sua cor. Silvia ressalta que ainda há um trabalho muito intenso a ser feito, pois estes dados são fundamentais para a epidemiologia.

O resgate e divulgação o quesito raça/cor,bem como a qualificação dos profissionais devem pautar os próximos passos das políticas de equidade racial de Salvador. A Assessoria responsável por estas políticas enfrenta o desafio de uma equipe pequena para muito trabalho a ser realizado. “O grande desafio é mexer na questão do racismo. As pessoas se recusam a falar dessa questão. O racismo é passado de uma forma tão forte que as pessoas reproduzem, muitas vezes, sem perceber”, reflete Silvia Augusto.

A própria Assessoria de Equidade Racial em Saúde seria vítima desse racismo institucional, de acordo com Marcos Antonio Almeida Sampaio, atual presidente do Conselho Municipal de Saúde de Salvador. Para ele, a assessoria sempre sofreu discriminação. Era a única que não ficava no mesmo andar das outras assessorias, ao contrário, ficava no poço do prédio, ao lado justamente do Conselho. “Além disso, não tem dotação orçamentária, não existe no organograma, e não é ouvida, como as outras, nos planejamentos estratégicos da Secretaria Municipal de Saúde”. Como nunca integrou, oficialmente, o regimento da SMS, sua atuação estava condicionada ao interesse pessoal do gestor. “Agora, na reforma administrativa feita pelo prefeito ACM Neto, por exemplo, foi integrada à Coordenadoria do Cuidado, restringindo-se a uma mesa e a coordenadora. Não existe nada sobre a questão no Plano de Governo do novo gestor”, denuncia.

Militante pela qualidade da saúde pública desde 2004, o presidente do Conselho Municipal de Saúde se mostra preocupado com o futuro da Assessoria: “A imagem positiva que ficou nacionalmente desta experiência foram as diversas iniciativas durante a sua criação em 2005, como as feiras de saúde nos terreiros de matriz africana, a interação dos pontos focais em cada unidade de saúde, o debate sobre a anemia falciforme e outros enfermidades que mais atingem a população negra. Porém, tudo está sendo desconstruído. Todo processo de atenção à saúde da população negra em Salvador pode sumir, se não houver mobilização do movimento negro”, revela Marcos Antonio Almeida.

O tema é difícil até de ser pautado nos debates do Conselho Municipal de Saúde, como ressalta o presidente do órgão. “Não é pautado prioritariamente no Conselho por conta de uma lógica apenas da ‘saúde curativa’, focada em aspectos físicos das condições dos postos de saúde e no atendimento ao doente. Não há uma preocupação com a prevenção e a capacitação”. Ele cita como exemplo as conferências municipais de saúde: “a sala de discussão mais vazia é sempre a da área de Cuidado. Todos querem discutir gestão e orçamento”, atesta.

Decana nas pesquisas e debates sobre a saúde da população negra, a Doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, Maria Inês Barbosa, fala dos desafios impostos pelo racismo institucional, após a incorporação do tema nas esferas governamentais. “A retórica foi incorporada, mas dentro da estrutura, a temática não está no lócus do poder. É preciso fazer com que os gestores realmente mudem o olhar e incluam a temática na gestão da política de saúde”, alerta. A pesquisadora observa com atenção a realidade da capital baiana. “Tem sido instigante estar em Salvador, como mulher negra e como ativista. Aqui você vê de forma mais contundente, as barreiras e o paradoxo do racismo e os desafios que nos estão colocados”.

Entre as estratégias do presidente do Conselho Municipal de Saúde, Marcos Antonio Sampaio para ampliar o debate sobre saúde da população negra está o diálogo com outros conselhos, como o da Mulher e das Comunidades Negras. “Esse tema precisa ser transversal e estruturante em toda administração municipal. Além disso, precisamos transformar nossas pautas em políticas públicas, para não ficarmos reféns de ações pontuais deste ou aquele gestor, para silenciar o clamor do movimento”.

Fonte: http://revista.correionago.com.br/

Enviada por Emanuelle Goes para Combate ao Racismo Ambiental.

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