Câmara de SP proíbe visitantes de chinelo e se afasta mais do povo

Leonardo Sakamoto

Apesar de ir sempre paramentado à capital federal, vez ou outra deixo as línguas de pano descansando em casa. Afinal de contas, este é um país tropical, em que vestimos velhos gordos com veludo no Natal só para exercitar nosso sadismo. E por estar sem gravata, já fui impedido de adentrar determinados recintos nobres do Congresso Nacional em momentos solenes. Até porque o regimento da Casa do Povo (sic) precisa ser respeitado. “Em tudo o rito se cumpra!”, como pensaria Gonçalves Dias, mesmo que o fundamental direito de ir e vir seja ignorado para isso.

Certa vez, como ia a um ato civil na Câmara dos Deputados, achei que poderia deixar a língua de pano em casa e ir só de paletó. Contudo, fui impedido de entrar no Salão Verde, espaço em frente ao Plenário, por estar sem gravata.

– O regimento tem que ser respeitado – disse o segurança.
– Mas estão chegando muitas pessoas de organizações sociais, que não possuem terno. Como vão poder participar do ato?
– Só entram pessoas de gravata.

Já havia sido barrado em um dos andares do Palácio do Planalto, em outra ocasião, porque estava sem o paramento. Mas achei que a Câmara dos Deputados, por ser – em tese, bastante em tese – a Casa do Povo, não cobraria essa formalidade.

Nem Kafka com um processo nas costas se divertiria tanto.

Não é irritante um troço como a gravata funcionar como passaporte para entrar em recintos? Se você não tem ou está sem, dançou: fica do lado de fora. Entendo que existam formalidades, mas que deveriam ficar restritas a ambientes privados. Até porque respeito não deveria ser obtido através de vestimentas, mas de ações.

Mas aí complica, uma vez que haveria muita excelência que não teria visto de entrada em seu próprio gabinete. Seja em âmbito federal, estadual ou municipal.

Esse tipo de política exclui a esmagadora maioria da população brasileira de transitar por espaços públicos. Ou seja, é um ato de preconceito de classe levado a cabo por quem deveria atuar pela defesa da igualdade de direitos. Mas essa bizarrice também é muito útil para mostrar como funciona o poder: se agarra a uma preocupação imbecil ao passo que promove o toma-la-da-cá e o compadrio serelepes pelos corredores. Isso sem contar fomentar o terrorismo contra repórteres que cobrem a violência policial.

Agora, a Câmara de São Paulo passou a proibir a entrada de pessoas vestidas com shorts e bermudas ou usando chinelos. Segundo a assessoria da Presidência de lá,  responsável pela norma, isso já ocorre em outros órgãos públicos da cidade. De acordo com a Folha de S.Paulo, o vereador Coronel Telhada (PSDB), também propôs o controle dos acessos, com a obrigatoriedade de RG na entrada e o registro do visitante com fotos.

“É uma forma de respeito a quem vai à Câmara. Mas deve haver bom senso. Não é para exigir que se vá de terno ou de longo”, disse o também vereador da “Bancada da Bala”, que reúne policiais, Álvaro Camilo (PSD) ao repórter Giba Bergamim Jr.

Em muitos escritórios da Organização das Nações Unidas é facultativo o uso de terno pelo motivo mais óbvio: economia de energia elétrica que seria usada pelo ar condicionado. Existe cena mais surreal que uma pessoa trajando um pesado paletó pedir para ligar o ar frio porque está com calor? No Congresso Nacional tupiniquim, propostas para aposentar a obrigatoriedade do traje entre funcionários e parlamentares são arquivadas. Até porque, como sabemos, não faz calor no país.

Economizar para quê? Se precisar de mais energia, é só expulsar alguns milhares de índios, ribeirinhos, camponeses e quilombolas e construir uma hidrelétrica no lugar. Com o bônus de agradar os doadores de campanha, ops, quer dizer, promover o desenvolvimento.

Até porque, como já disse aqui antes, parafraseando o genial Gianfrancesco Guarnieri, índios, ribeirinhos, camponeses e quilombolas não usam black-tie. Tampouco, gravatinha. Vão de bermudas e chinelos que, simbolicamente, é veste de ralé, de povão. Seguem correndo por fora, esperando o dia que possam adentrar em sua cidadania sem estar fantasiado para isso.

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/02/07/camara-de-sp-proibe-visitantes-de-chinelo-e-se-afasta-mais-do-povo/

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.