Disputa pela posse de terras pode derramar sangue no Mato Grosso

No dia 04 de setembro, a editora deste “Quem tem medo da democracia?” estava em um ônibus dirigindo-se a São Félix do Araguaia, onde tinha entrevista marcada para o dia seguinte com Dom Pedro Casaldáliga. O ônibus foi barrado na entrada do povoado conhecido como Posto da Mata (MT), área de disputa de terras. 

 

Por Ana Helena Tavares, do “Quem tem medo da democracia?“

Estradas estão bloqueadas no Mato Grosso, região norte Araguaia, desde 04 de Setembro, devido a uma disputa pela posse de terras entre produtores rurais e a Funai. Com os bloqueios, várias cidades ficam isoladas, com problemas de abastecimento. Uma sentença judicial garante que o local é reserva indígena, chamada Maraiwatsede, e obriga os posseiros a saírem até o final de setembro. O Exército poderá intervir.

Na área em disputa, que compreende 165 mil hectares de terra, há cerca de 300 mil cabeças de gado e sete mil pessoas (não índios), incluindo mais de 800 crianças em idade escolar.

Segundo informações que o QTMD? obteve com exclusividade da APROSUM (Associação de Produtores Rurais de Suiá Missú), permanecem bloqueadas nesta quarta-feira, 12 de setembro, a BR 158, 242, 080 e as saídas para Serra Nova e São Felix do Araguaia. Como não houve acordo, a APROSUM informa que foi enviada uma comitiva de 250 mulheres e crianças para Brasília para tentar uma audiência com a Presidente da República.

Barrados sobre a terra vermelha

No dia 04 de setembro, quando começou o bloqueio, a editora deste “Quem tem medo da democracia?” estava em um ônibus dirigindo-se a São Félix do Araguaia, onde tinha entrevista marcada para o dia seguinte com Dom Pedro Casaldáliga. O ônibus foi barrado na entrada do povoado conhecido como Posto da Mata (MT), área de disputa.

Carcaças de carros queimados impediam a passagem de qualquer veículo. O ônibus, da viação Xavante, mesmo nome da tribo que disputa a posse da região, tentou recuar para fazer outro caminho, mas alguns manifestantes ameaçaram tacar fogo. Várias faixas foram penduradas exigindo a permanência dos posseiros no local.

O Quem tem medo da democracia? estava lá e filmou o protesto. Foram cantados os hinos oficiais do Brasil e rezado o Pai Nosso.

O poder do latifúndio

A agropecuária Suiá Missú instalou-se no local na década de 60 e durante muito tempo representou um dos maiores latifúndios da América Latina. Em 1980, a petrolífera italiana Agip que, segundo os posseiros, pertence ao Vaticano, também passou a explorar a região.

“Cheguei aqui em 1991, essa terra era da Suiá Missú. Fui lá conversar com eles para ver se eu podia ter um pedaço de terra para morar e trabalhar. Negociei, recebi uma escritura e estou trabalhando aqui desde então. Em 1993, houve uma tentativa de demarcar essa área para os índios, mas nós não aceitamos. Estamos brigando na justiça desde aquela época”, contou para o QTMD? o produtor rural Walmir.

O poder da Funai

Segundo outro produtor, Divino, não foi oferecida indenização nenhuma para que eles saiam de lá. “Eu já estou com 66 anos, vou largar tudo o que eu tenho e sair daqui sem nada?”, perguntou-se Walmir. Divino relatou ainda que recentemente um grupo de índios teria assinado um documento demonstrando apoio à permanência dos posseiros.

“Eles sabem que essa terra não é deles, que a origem dos Xavantes é no Cerrado. Eles não têm nem como sobreviver aqui. Já tivemos notícias de pelo menos 6 índios que morreram desnutridos. E o próprio governo do Estado já sugeriu transferir os índios para outro local. Mas parece que a Funai manda mais que o governo, manda mais que todo mundo ”, desabafou Divino.

“Se precisarem de uma vida, podem buscar a minha”. 

O produtor rural Sebastião Prado vai além: “O Ministério Público Federal falsificou documentos. A Funai falsificou laudos. Desafio a trazerem aqui um antropólogo sério para provar que essa terra é dos índios. Se provarem, nós saímos. Mas não é. Nós, aqui, já fizemos a reforma agrária. Vamos resistir”, garantiu para o QTMD?, oferecendo-se como mártir: “Se precisarem de uma vida, podem buscar a minha”. Outros posseiros também disseram que lutarão até a morte.

O QTMD? teve acesso a um relatório da APROSUM sobre o problema. Leia abaixo.

Terra Xavante

Embora os posseiros aleguem o contrário, durante a Eco92, a área foi declarada como de propriedade dos Xavantes. Na conferência Rio+20, o secretário-geral da presidência da República, ministro Gilberto Carvalho, reafirmou este compromisso.

Na entrevista exclusiva que Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, concedeu ao Quem tem medo da democracia?, no dia 05 de Setembro, o bispo levantou-se em defesa dos índios. Segundo ele, “políticos, comerciantes e fazendeiros estimularam a invasão das terras dos Xavantes.”.

Dom Pedro Casaldáliga prevê resistência

Ele pondera que “há pequenos (proprietários rurais) que têm direito à reforma agrária e há um grupo de (índios) dissidentes que respalda os invasores”, mas considera que a proposta do governo do Estado de transferir os índios para um parque em outro local é “absurda e inconstitucional”.

Ele prevê resistência dos posseiros à iminente chegada de Forças Nacionais. “Só não sei até que ponto…”, disse. Mas garantiu: “Todos que entraram sabiam que as terras eram indígenas. Todos, todos, todos.”

Embora o bispo tenha falado sobre este assunto, o motivo de o QTMD? ter ido entrevistá-lo é a série que vem sendo feita neste site com pessoas que viveram intensamente a época da ditadura. A entrevista completa será publicada em breve.

http://quemtemmedodademocracia.com/2012/09/12/disputa-pela-posse-de-terras-pode-derramar-sangue-no-mato-grosso/

Comments (1)

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.