Favela é diversidade, potência do “comum”. É o que afirma Adair Rocha, autor do livro Cidade Cerzida: a costura da cidadania do Morro Santa Marta, nesta entrevista concedida ao Ibase para o boletim do Morar Carioca. O professor traz um tema de interesse do programa: a integração das favelas à “cidade formal” e a possibilidade de urbanização. Para Adair, a urbanização desses espaços, que já estão completamente integrados à cidade de forma subordinada, só fará sentido se os moradores forem protagonistas do processo.
Agora, doze anos depois, o professor de comunicação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) lançou uma nova edição do livro. Trata-se de uma versão ampliada com os resultados de pesquisa de seu pós-doutorado, e que dedica um capítulo à implantação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da cidade, no Santa Marta. O lançamento está sendo feito com uma série de debates pelas favelas cariocas. A primeira anfitriã, claro, foi o Santa Marta, mas o livro já foi lançado também com eventos na Rocinha, Maré, Cidade de Deus e PUC.
O que você chama de cidade cerzida?
A.R.: Cidade Cerzida é o título inspirado na costura da cidadania e da democracia que o Santa Marta, e a favela, em geral, imprimem na identidade da cidade, que é, ao mesmo tempo, a sua diversidade, na afirmação da diferença. Assim, a população que vive na favela e nas periferias faz da resistência – que poderia terminar apenas em sacrifício imposto pelo não acesso aos bens públicos, a que toda pessoa tem direito – a criação e a invenção que estabelecem o compromisso com o comum e o público (no caso dos mutirões, por exemplo).
É possível que o Rio seja uma cidade integrada? O que precisa ser costurado?
A. R.: A ideia de cerzida não combina com cidade integrada. Aliás, integrada a quê? A partir de que critério de integração. Trata-se, portanto, de uma categoria que, aparentemente, elimina a radicalidade da desigualdade, impondo, assim, o padrão da integração. Esse caminho aponta modelos de integração e de civilização de setores que desconhecem ou negam as tradições e a diversidade cultural, econômica, política, religiosa e simbólica que move e impulsiona essa mesma população.
A favela não está integrada à cidade? Por quê?
A. R.: Na verdade, a favela já está, absolutamente, integrada à cidade e à lógica de cada qual resignada ao seu lugar. Enquanto as relações laborais se acomodam ao bem estar estabelecido, mantendo a lógica do acúmulo e da escassez, o destino do poder público está estabelecido, separando ainda mais o acesso, enquanto possibilidade de expressão do direito.
Urbanização é uma demanda da favela? É solução?
A. R.: A urbanização pode ser sim uma demanda da favela, desde que ela protagonize a possibilidade da liberdade e da diversidade. O morar e o viver precisam estar bem combinados. Quer dizer: a distância do trabalho, da escola e da saúde na sua dimensão preventiva são a cultura da ampliação do tempo de lazer e de convivência com amigos, familiares e todo e qualquer critério do convívio, na urbe que o acolhe. Solução é aquela moradia que leve mais em conta a expectativa que combina subjetividade articulada com a potência do comum.
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http://www.ibase.br/pt/2012/08/costurando-a-cidade/