O que aconteceria se a população brasileira tivesse o poder de realizar o mapeamento de dados demográficos, econômicos e sociais de suas próprias comunidades, bairros, cidades e estados? É difícil imaginar que algo assim pudesse dar certo, entretanto, é exatamente isso que diversas comunidades tradicionais brasileiras têm feito.
O antropólogo Alfredo Wagner de Almeida, da Universidade do Estado do Amazonas, apresentou aos participantes da 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em São Luís-MA, o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), que oferece aos membros de comunidades tradicionais brasileiras o direito de mapear seus territórios e de se transformar nos protagonistas de sua própria identidade.
O projeto organiza uma cartografia social do Brasil baseada no conhecimento das comunidades tradicionais, o que resulta em mapas que refletem o entendimento dessas pessoas sobre o próprio território e a relação de sua cultura com esse espaço.
Durante palestra, o pesquisador mostrou alguns dos materiais produzidos pelo projeto, que já gerou cerca de 150 fascículos com mapas sobre diferentes comunidades, além de 15 filmes, 30 livros e 13 exposições. O trabalho é fruto da parceria com comunidades tradicionais – quilombolas, pescadores, ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, cipozeiros, entre outras – espalhadas pela maioria dos estados brasileiros.
Para Almeida, a cartografia social é um recurso que deve auxiliar e dar mais precisão ao discurso da etnografia e da antropologia, contribuindo para a compreensão do patrimônio cultural desses povos e permitindo o autoconhecimento de cada um. “É uma valorização inédita do conhecimento e da cultura desses grupos e uma prova de que é possível formar bons pesquisadores fora dos grandes centros”.
Poder de decisão – De acordo com o antropólogo, as comunidades mapeadas participam e decidem sobre todo o material que será criado. Os pesquisadores do PNCSA ensinam noções básicas de legislação ambiental e da utilização de GPS e ArcGIS (programa de computador utilizado para produção de mapas). É esse grupo de parceiros que decide o que será mapeado, de acordo com aquilo que sua própria cultura e tradição considera relevante.
O mapeamento parte sempre de um convite da comunidade para entender melhor questões locais, nunca é imposto, por isso, todo o processo é realizado pelos membros, assim como a produção de fotos e vídeos. Após o processo de concepção, os mapas elaborados são aprovados pelas comunidades, que também escolhem as colorações e os ícones personalizados que melhor representem sua visão do território.
Enfrentamento à pobreza – O antropólogo destacou que o projeto traz benefícios para as comunidades tanto em aspectos identitários quanto em novas possibilidades para enfrentar a pobreza. “A elaboração desses mapas é uma valorização inédita do conhecimento e da cultura desses grupos e uma prova de que é possível formar bons pesquisadores fora dos grandes centros”, avaliou. “Isso poderá contribuir para modificar a própria comunidade científica nacional e representa uma aplicação do saber tradicional como ferramenta para superar a pobreza.”
O pesquisador deixou claro que o projeto não pretende ser uma resposta final a essas questões e muito menos um modelo a ser aplicado indefinidamente no Brasil. “Na verdade, nossa iniciativa é um exercício que tem levantado mais indagações do que respostas, mas que tem papel relevante ao promover a problematização da questão territorial e cultural desses grupos”, avaliou.
A diversidade na prática – Almeida ressaltou ainda que é preciso entender o critério que liga as pessoas, como são estabelecidos os laços das próprias comunidades. Segundo ele, a questão da territorialidade é aguda em todo o país e envolve mais do que o espaço físico, mas os modos de viver e entender território inerentes a diversas culturas.
“Recentemente, por exemplo, as comunidades de ribeirinhos do rio Japeri, na região amazônica, perderam sua classificação como pescadores artesanais por também se dedicarem à caça e ao extrativismo. Só os pescadores comerciais mantiveram sua autorização para pesca”, pontuou. “Trata-se de uma clara confusão entre identidade e atividade econômica, que descredenciou aqueles que detinham o conhecimento local e afetou a biodiversidade da região.”
A questão torna-se ainda mais complexa pela dificuldade de se estabelecer uma definição para a identidade desses grupos tradicionais. Os povos faxinais, por exemplo, que ocupam o sul do Brasil, são uma mistura de ucranianos, poloneses, italianos, índios e quilombolas que não compartilham a mesma língua e não têm as mesmas crenças, mas enxergam a si mesmos como um povo único.
“A formação das identidades dos grupos tradicionais e seus aspectos territoriais são questões complexas e sujeitas a mudanças”, reafirmou Alfredo Wagner de Almeida . “Por isso, um mapeamento como esse é rico e pode ajudar, inclusive, no estabelecimento de políticas públicas em estados como o Maranhão, por exemplo, que tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano do país”, concluiu.
Fonte: Instituto Ciência Hoje
http://www.palmares.gov.br/2012/07/projeto-faz-cartografia-de-comunidades-tradicionais-brasileiras/. Enviada por José Carlos.
Parabéns pelo projeto! A cada dia ampliam-se iniciativas como esta de mostrar a importância e capacidae deste conhecimento capaz, como afirma Morin de “[…] de reunir, de globalizar, mas, ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto”. Assim, busca-se soluções locais aos problemas globais!