Expedição de um mês e quase 7 mil quilômetros pelas maiores bacias mineiras revela agressões que desafiam a renovação quase milagrosa dos cursos d’água. Assoreamento, esgoto e descaso anunciam um horizonte sombrio para o futuro de nossas águas
Flávia Ayer
Lá se vão quase 50 anos desde a entrevista do escritor e médico Guimarães Rosa ao crítico alemão Günther W. Lorenz. E os grandes rios? Ah, esses ainda guardam semelhanças com os homens, mas longe de serem poéticas, como as enxergadas pelo gênio que contou em prosa a alma do sertão mineiro. Abarrotados de sedimentos, muitos reduzidos a canais de esgoto, são rasos e podres, tal como a pobreza de espírito da sociedade que se acostumou a descartar nos cursos d’água tudo o que já não serve. Basta olhar para os trechos assoreados do São Francisco. Marco na obra de Rosa, no estado e no país, o grande e velho Chico tem áreas onde o transporte hoje só ocorre em pequenas embarcações. Um problema que começa antes: pode ser sentido já no cheiro das águas cinzentas do Ribeirão do Onça ou nas margens tomadas de sacos plásticos e lixo do Rio das Velhas, na Grande BH. Mas é a visão do leito seco de mananciais na bacia do Jequitinhonha, como o Córrego do Vandinho, em Padre Carvalho, que não deixa dúvida: a ação do homem tem conseguido apagar a magia da palavra “rio” e ameaçar o milagre da renovação da vida em ecossistemas cada vez mais castigados, a ponto de, pouco a pouco, roubar-lhes a eternidade. (mais…)