Leonardo Sakamoto
Dilma Rousseff declarou que as acusações envolvendo o etanol brasileiro ao trabalho escravo contemporâneo seriam resultado de “práticas fraudulentas de competição” visando a diminuir a importância do produto. De acordo com ela, o combustível “é uma das áreas que têm das melhores práticas” na área trabalhista, com respeito à jornada de trabalho e aos direitos do trabalhador. Para ver a fala de Dilma, clique aqui.
O comentário foi feito na cerimônia de outorga do selo do “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar”, entregue a usinas que aderiram ao processo de melhoria dos padrões trabalhistas em sua produção, nesta quinta (14), no Palácio do Planalto. O evento faz parte do “pacote de bondades” destinado a promover o país durante a Rio+20.
O Compromisso Nacional foi articulado pelo governo federal, com a participação de representantes dos usineiros e dos trabalhadores, e lançado em junho de 2009. É uma das meninas dos olhos desta e da última gestão que tentaram – através dele – garantir melhorias das condições nos canaviais e, consequentemente, a imagem de um combustível socialmente limpo dentro e fora do país. O selo atesta que as empresas estariam engajadas com a melhoria dos padrões, por mais que esses padrões não se distanciem do que já está previsto na legislação vigente. Além disso, usinas signatárias do acordo foram flagradas com problemas trabalhistas e ambientais nos últimos anos.
Durante o evento, Pedro Parente, presidente do Conselho Deliberativo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), afirmou que o setor sofre com generalizações, uma vez que maus empregadores existem em todo o lugar. Ele está correto em reclamar quando atores internacionais insinuam que o etanol brasileiro é competitivo por conta do trabalho escravo, o que não confere com a realidade. Há uma série de razões técnicas, climáticas e sociais, inclusive a baixa remuneração do trabalho em relação ao capital para explicar isso.
Então, ele há de concordar que os trabalhadores também sofrem com generalizações quando Dilma afirma que não há trabalho escravo no etanol.
Prova de que há é que o próprio governo decidiu manter fora do selo os empregadores que estão relacionados na “lista suja” do trabalho escravo (cadastro do Ministério do Trabalho e Emprego que relaciona os flagrados cometendo esse crime), conforme anunciado pela Secretaria-Geral da Presidência tempos atrás.
Ou seja, se trabalho escravo na cana não existe, as fazendas desse grupo abaixo, que está na “lista suja”, também são ficção e poderiam ser destinadas à reforma agrária?
Proprietário |
Município |
Estado |
Número de trabalhadores envolvidos |
Agrisul Agrícola Ltda. | Brasilândia | Mato Grosso do Sul (MS) |
1011 |
Agrocana JFS Ltda | Ceres | Goiás (GO) |
36 |
Agrovale – Cia. Industrial Vale do Curu | Paracuru | Ceará (CE) |
141 |
Alcoopan Álcool do Pantanal Ltda | Poconé | Mato Grosso (MT) |
318 |
Elcana Goiás Usina de Álcool e Açucar Ltda. | Jataí | Goiás (GO) |
95 |
Nelson Donadel | Iguatemi | Mato Grosso do Sul (MS) |
126 |
Selson Alves Neto | Goiatuba | Goiás (GO) |
32 |
Sílvio Zulli | Poconé | Mato Grosso (MT) |
318 |
Usina Paineiras S/A | Itapemirim | Espírito Santo (ES) |
81 |
Usina Santa Clotilde S/A | Rio Largo | Alagoas (AL) |
401 |
A situação melhorou na cana nos últimos anos, muito por conta de órgãos de governo, sindicatos de trabalhadores, organizações da sociedade civil e movimentos sociais que pressionaram para que isso acontecesse. E também pela pressão internacional e a possibilidade de perder mercados por conta de bloqueios comerciais. Mas ainda falta muito a caminhar para podermos dizer que os subprodutos da cana (açúcar, etanol e energia elétrica) estão livres de trabalho escravo. O exemplo disso é que há empresas que receberam o selo e foram fiscalizadas por trabalho escravo, mas não entraram ainda na “lista suja”.
Há muita gente lá fora querendo o fracasso comercial do Brasil e usando a justificativa social para erguer barreiras. Claro, no comércio internacional, não há boa alma. Mas o Brasil, que é um dos únicos que reconhece o problema e faz a lição de casa, tem o que mostrar e cobrar o mesmo de outros países ao invés de negar o problema. O governo brasileiro criou em 1995 um sistema de combate à escravidão que é considerado referência mundial pela Organização Internacional do Trabalho. Desde então, mais de 42 mil pessoas foram libertadas. Indenizações milionárias são sentenciadas na Justiça do Trabalho, restrições comerciais e financeiras, impostas. O atual governo elevou e muito a qualidade do combate ao trabalho escravo. Por isso mesmo surpreende Dilma não utilizar os bons resultados obtidos por gente do seu próprio governo em seus discursos mas, pelo contrário, rebater as críticas ignorando a realidade.
Petróleo é uma desgraça para o meio ambiente e vai acabar, mais cedo ou mais tarde. Os agrocombustíveis são uma realidade e o etanol de cana brasileiro vai se espalhar pelo mundo – pelo menos nas próximas décadas. Portanto, fico com um pouco de vergonha quando vejo esses casos de maniqueísmo comercial explícito.
Anos atrás, Lula afirmou, durante evento em uma fábrica de automóveis, que o mundo iria se curvar ao etanol.
Conheci um cortador de cana no interior de São Paulo, que já se curvou. Trabalhou tanto pelo “progresso” que ganhou um problema de coluna. Aposentado, não juntou nada e mora na pobreza no interior no Nordeste.
Nunca teve um carro.
Enviada por Zuleica Nycz