Livro celebra 25 anos de projeto de cinema com povos indígenas

Felipe Milanez

Dar voz. Diz Vincent Carelli: “Dar voz a um povo excluído, tentar fazer entender como e porque se dá este processo de exclusão é o nosso desafio”.

Nos últimos 25 anos, o projeto Vídeo nas Aldeias, fundado por Carelli, tem dado voz, através das imagens, para diversos povos indígenas no Brasil, uma das partes mais excluídas da excludente sociedade brasileira.

Carelli, indigenista e documentarista, está em São Paulo para o lançamento do belo livro-vídeo “Vídeo nas Aldeias: 25 anos”, que celebra o aniversário do projeto. Na entrevista abaixo, ele conta um pouco do trabalho, e da dificuldade da vida dos índios no Brasil. Em formato de livro arte, ilustrado com fotos e depoimentos dos índios, traz ainda dois DVDs com uma série de filmes. Entre eles, o imperdível “A Arca dos Zoé”, feito em conjunto com a antropóloga Dominique Gallois. E o lindo e sútil, em contraposição à dura realidade que os guaranis enfrentam, “Bicicletas de Nhanderu”.

Como surgiu a iniciativa de criar o Vídeo nas Aldeias?
Vincent Carelli – A iniciativa do Vídeo nas Aldeias nasceu de anos de convívio e militância indigenista com os índios, de um entendimento das demandas reais dessas populações que tem uma preocupação com a sua memória cultural e sua visibilidade nacional.

Como o cinema, feito pelos índios, impacta na cultura indígena?
Vincent Carelli – O cinema feito pelos índios é um processo de autoconhecimento e auto-afirmação para dentro da comunidade e para fora, um movimento para romper o fosso da invisibilidade dos povos indígenas.

Para dentro, a produção de documentários pelos jovens é um processo de descoberta, aproximação e valorização do conhecimentos dos mais velhos. Quando seus filmes passam na TV Brasil ou Cultura em rede nacional é a realização de um sonho: o país finalmente olha para nós, e isso tem um efeito enorme sobre a autoestima destes povos, e ao mesmo tempo enriquece e difunde a diversidade cultural brasileira. Mesmo aqueles que não participam do projeto se orgulham das realizações cinematográfica de seus parentes. No livro Vídeo nas Aldeias os realizadores indígenas relatam a sua descoberta do cinema, o impacto que isso tem sobre suas comunidades, e da leitura que a sociedade nacional faz deles, eles relatam enfim o seu amadurecimento político.

Qual é a situação dos índios no Brasil hoje? Quais os principais desafios?
Sempre que há um surto desenvolvimentista no país, e principalmente na Amazônia, isso afeta diretamente as reservas indígenas e seus recursos naturais, comprometendo seriamente suas condições de subsistência. Infelizmente o governo não negocia honestamente com estas comunidades, a postura primeira é sempre tentar enrolar os índios, ou cooptar, ou melhor subornar, lideranças jovens. Se as negociações se dessem com mais respeito tudo seria muito mais fácil. Não só respeito mas responsabilidade por parte das empresas. O projeto de mitigação dos impactos ambientais das hidrelétricas do rio Juruena com os Enauênê Nauê. por exemplo, só tem a compra de motores, carros , micro ônibus etc… Parece o PAC da indústria automobilística. Como é que se vai reduzir os impactos ambientais comprando motores? O governo brasileiro só investe em área indígena quando tem algum interesse geopolítico em jogo. O resto fica abandonado. E não adianta jogar dinheiro de forma irresponsáveis para comprar os índios e eliminar a resistência porque isso tem um efeito desestruturador sobre estas sociedades. É preciso mais responsabilidade.

Recentemente, Rigoberta Menchu afirmou que “nenhum país trata tão mal seus índios como o Brasil”. Você percebe isso em campo, durante o trabalho? Como?
Olha, na América Latina é difícil saber quem maltrata mais os seus índios. Vamos dizer que na Guatemala e outros países a situação não é nada melhor que no Brasil.

Nesses 25 anos, quais foram os fatos mais marcantes que presenciou em campo?
Creio que de uma maneira geral o Vídeo nas Aldeias responde a um anseio muito grande das comunidades, e por isso ele capitaliza uma sinergia da comunidade como um todo, e resulta num processo de criação coletiva. Hoje em dia trabalhamos com os Guarani do Rio Grande do sul, que como todos os Guarani dos outros estados, sofrem um processo cruel de exclusão da sociedade brasileira, de expropriação de seus territórios, submetidos a condições sub-humanas de sobrevivência. Dar voz a um povo excluído como este, tentar fazer entender como e porque se dá este processo de exclusão é o nosso desafio. No dia em a Patricia Ferreira, realizadora Guarani, contou que reuniu toda a aldeia em frente a um aparelho de TV para assistir o seu filme transmitido pela TV Cultura, e que ela teve o sentimento de que finalmente o país estava olhando para o sofrimento do seu povo, senti que realmente este trabalho fazia sentido!

*jornalista e advogado, mestre em ciência política pela Universidade de Toulouse, França. Foi editor da revista Brasil Indígena, da Funai, e da revista National Geographic Brasil, trabalhos nos quais se especializou em admirar e respeitar o Brasil profundo e multiétnico

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5508617-EI16863,00.html

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