A filósofa Elisabeth Badinter explica por que o feminismo perdeu seus pontos de referência. “Prevaleceu um naturalismo à la Rousseau com relação à política e à cultura”. “Estamos no fim da revolução de 1968, mas o progressivo triunfo do desejo chegou a um limite perigoso”. A reportagem é do jornal La Repubblica, 03-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ensaísta e filósofa francesa, Elisabeth Badinter é uma feminista sui generis, muito livre em suas opiniões. Frequentemente contracorrente, e com prazer. Ela lutou as suas batalhas na esteira das posições de Simone de Beauvoir, mas, com a mesma força, polemizou com um certo feminismo de matriz americana, que surgiu na década de 1980 e depois foi transplantado na França, que, abandonando o universalismo e a reivindicações dos direitos iguais, se encerrou novamente em uma posição sexista, separatista e “naturalista”, em que a diversidade feminina se representa na figura da mãe.
Autora também de estudos muito importantes sobre o Iluminismo, Badinter certamente pode nos oferecer um “outro olhar” sobre a figura da autoridade. Ela me recebe na sala da sua belíssima casa, com vista para o Jardim de Luxemburgo, oferecendo-me uma garrafa de Perrier, que, com as suas bolhas, nos acompanhará na nossa conversa.
“Ainda vivemos na longa onda do 1968, que liderou um formidável ataque contra a ideia de autoridade e de lei, com a grande vantagem da satisfação do desejo e da pulsão, declinados nas mais diversas formas. Agora, estamos no fim dessa revolução, da qual eu não subestimo os efeitos benéficos. Abrimos as portas e as janelas, e foi bom assim. Entre parênteses, fui me convencendo aos poucos de que esse ataque frontal ao autoritarismo é uma das causas do prolongamento médio da vida. Juntamente, é claro, com os enormes progressos no âmbito médico, científico, higiênico, alimentar. Eu penso isso porque ele determinou uma espécie de libertação psicológica: tanto para as mulheres, que não tinham mais que se ater aos modelos tradicionais de feminilidade, quanto para os homens, que já não tinham que se conformar aos velhos modelos de virilidade. Ao contrário, é igualmente claro que esse progressivo triunfo do desejo já atingiu um limite muito perigoso. Chegou o momento de pôr limites, de voltar ao respeito da lei. Estamos verdadeiramente à beira da barbárie”.
Mas o respeito da lei não se obtém justamente quando se reconhece a autoridade?
E aqui começam os problemas. Veja, os nossos pais exerciam uma autoridade, digamos, “natural”. A sua palavra não era posta em discussão. Depois, aconteceu aquilo que aconteceu, com o 1968 justamente. E os pais se viram desarmados diante dos seus filhos. Os pais e as mães se transformaram em irmãos e irmãs. E mais: identificando-se com os filhos, não tiveram mais coração para puni-los, porque é como se punissem a si mesmos.
E em tudo isso uma certa pedagogia e uma certa vulgarização da psicanálise desempenharam uma função muito negativa, que insistiram de tal forma sobre os traumas infantis e sobre os risco neuróticos da frustração que tornaram repugnante a ideia da punição e da sanção. Seja no âmbito familiar, seja no âmbito escolar. O resultado é que muitas crianças e adolescentes de hoje se tornaram pequenos selvagens.
Como a senhora definiria a figura da autoridade?
Eu posso falar da minha experiência pessoal. Ensinei durante 38 anos. E sei que um bom professor deve ter personalidade, um pingo de carisma, mas também pulso. Porque há um momento em que a discussão cessa, e as coisas devem ser feitas: e ponto final. Portanto, também podemos tentar definir a autoridade de forma negativa, quando ela falta. Porque, se não nos submetemos de bom grado à norma, mais cedo ou mais tarde chegamos, necessariamente, a formas de constrição. E o risco da violência autoritária se assoma. Essa é a estreita passagem que estamos atravessando.
O ponto de vista feminino, enquanto tal, pode nos ajudar a redefinir um novo modelo de autoridade?
Até agora não, porque os modelos culturais femininos foram marcados pelo sentimento, pela fusão, pela proximidade. Enquanto as características próprias da autoridade são a distância e a restrição.
E o feminismo, nesse sentido, que papel desempenhou?
Ele sempre atacou a autoridade, como emblema da dominação masculina. Não sem boas razões históricas, naturalmente. Depois, as coisas se complicaram ainda mais com o neofeminismo norte-americano de marca naturalista, que coloca a mulher ao lado da criança e contra o pai. A mulher, nessa acepção, é apresentada como uma vítima, desarmada assim como uma criança diante da violência masculina.
A senhora é muito dura contra essas posições teóricas.
Eu o sou porque elas me parecem reacionárias e objetivamente retrógradas, todas voltadas a anular as batalhas universalistas do passado. Se a mulher se torna igual ao homem, defendem as expoentes dessa tendência, ela trai a feminilidade. Ao contrário, é justamente da exaltação da feminilidade, da sua diferença constitutiva, que é preciso começar. Daí a nova centralidade atribuída à figura da mãe, porque é a capacidade de procriar que confere à mulher a sua generosidade e superioridade moral.
Repropõe-se assim uma separação natural que, de um lado, vê um homem invariavelmente agressivo, violento, prepotente, e, de outro, uma mulher sempre frágil, atenta, acolhedora. Mas a generalização em dois blocos contrapostos, os homens e as mulheres, não leva a lugar algum. Conduz novamente à armadilha do essencialismo e não responde à verdade.
E, na França, esse novo feminismo acabou prevalecendo?
Não é fácil responder. Seguramente, conquistou muitas posições. Estamos no meio de uma gravíssima crise econômica e, como de costume, as mulheres são as primeiras a pagar, com a exclusão do mundo do trabalho. Mas como muitas jovens reagem diante de tudo isto? Ligando o seu destino ao mito do instinto materno. Quase como se o seu jogo se jogasse unicamente nesse campo.
Se eu entendi bem, o paradoxo desse neofeminismo é que, embora motivado por intenções radicais, acaba levando as mulheres novamente para os antigos guetos.
É isso mesmo. Não sei quantas dessas feministas estão cientes disso, mas elas repropõem tal qual o modelo de Rousseau. Até a publicação de Émile, as mulheres francesas eram muito livres com relação à maternidade. Mesmo na província, ou nas classes sociais mais humildes. Depois, Rousseau chegou e afirmou que era preciso voltar para a natureza, porque ali está a sabedoria. E onde se manifesta a glória da mulher? Na maternidade, naturalmente. A adesão feminina a esse modelo foi imediata, impressionante. Com o belo resultado de que os homens da Revolução Francesa pensaram em trancar as mulheres em casa, para viver a sua glória, só e apenas enquanto mães.
Na verdade, esse neonaturalismo é mais uma forma de evitar a questão da autoridade.
É claro que sim. Porque privilegia a lei da natureza com relação às da política e da cultura. Torna-se uma espécie de religião e dá à luz uma representação da mulher que corre o risco de nos levar muito para trás.
Poder-se-ia objetar que justamente a estranheza ultrassecular das mulheres dos lugares de poder as investe de uma capacidade diferente e melhor de exercê-lo. E um se poderia fazer um discurso semelhante a propósito da autoridade.
Sabe por que eu nunca acreditei na lógica das cotas? Porque as mulheres que eu vi atuando nos lugares de poder são exatamente como os homens. Por uma razão muito simples: o poder não tem sexo. Assim como a autoridade não tem sexo, sobre cuja figura eu gostaria de dizer uma última palavra. Talvez hoje seja ainda mais difícil localizá-la, porque a autoridade precisa de segredo e de distância. E hoje desapareceram tanto um quanto a outra. Sem contar que uma pessoa em posição de autoridade, para ser tal, deve ser capaz de dizer não. Mas como se tornou difícil de pronunciar essa palavrinha em um mundo como o nosso, literalmente obcecado pelo consenso.
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Enviada por Zuleica Nycz.