Agravamento de doenças, óbitos e ausência de perspectiva de melhorias na saúde perturbam o lado emocional dos índios, diz liderança
Elaíze Farias
Os indígenas da região do Vale do Javari, no Amazonas, estão não apenas doentes fisicamente, mas espiritualmente. Esgotados e desanimados com a incerteza que rodeia o atendimento à saúde, os indígenas daquela região que é considerada uma das mais distantes dos grandes centros urbanos, estão perdendo os parentes para a doença e para o descaso.
O Vale do Javari fica localizado no município de Atalaia do Norte, 1.136,12 quilômetros de Manaus, na fronteira do Amazonas com o Peru e Colômbia.
Na segunda-feira passada (24), um episódio envolvendo uma indígena da aldeia São Sebastião agravou ainda mais os ânimos dos indígenas. Regiane Duarte Marubo, uma adolescente de 12 anos, portadora de hepatite teve a saúde agravada.
Sem especialista para realizar o atendimento na aldeia devido à paralisação dos profissionais de saúde em protesto contra a falta de pagamento dos seus salários, a menina recebeu medicamento para a doença errada.
O medicamento foi administrado por uma técnica em enfermagem da etnia marubo, mesmo sem a realização do exame – o microcopista era um dos trabalhadores em greve.
Resultado: Regiane Duarte Marubo, filho de Américo Marubo, uma das principais lideranças da aldeia, também estava com malária. Ela morreu antes de receber qualquer atendimento para esta doença.
Ewerton Marubo, coordenador da Associação Marubo de São Sebastião (Amas), conta que Regiane não conseguiu atendimento porque os (poucos) profissionais de saúde que atuam na região do Vale do Javari estavam sem trabalhar.
Emocional
O caso envolvendo Regiane despertou os indígenas para uma “coincidência”: o alto índice de mortalidade que ocorre sempre nos finais de ano.
“Enquanto a Sesai tenta se estruturar, nossos parentes continuam morrendo e adoecendo. O mais triste deste fato é que venho observando nossos parentes a cada final de ano morrer. Não sei qual é o mistério disso. O caso está mexendo muito com a parte emocional e espiritual do nossos parentes. A situação é bastante delicada”, disse.
Diana Souza, missionária do Conselho Indigenista Missionária (Cimi) que atua em Atalaia do Norte, conta que durante a doença de Regiane, foram realizadas remoções de cinco pacientes da etnia Marubo com malária e hepatite.
Durante a paralisação dos funcionários, a ação era paliativa, já que não estava ocorrendo tratamento algum.
“Agora, soubemos que uma criança morreu toda inchada, de alguma doença que ninguém sabe o que é. Não se fala de outra coisa lá”, disse Diana, por telefone, ao portal acrítica.com.
Segundo Diana, após a morte de Regiane um acordo entre os funcionários e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) teria resultado no retorno aos trabalhos. “Mas eles estão desmotivados. Os contratos acabam em novembro, quando uma nova conveniada que venceu a licitação vai assumir”, disse.
Ela reiterou que o agravamento das doenças, as mortes, a falta de esperança para quem recorrer, tem deixado os indígenas cada vez mais abatidos e doentes espiritualmente.
Tuberculose
Conforme Diana Souza, a falta de regularidade no atendimento aos pólos bases que abrangem as comunidades indígenas do Vale do Javari também vem provocando o aumento de doenças até então inexpressivas naquela região. É o caso da tuberculose registrada na aldeia Nova Esperança, onde vivem os índios da etnia maioruna.
“Devido a não permanência das equipes para fazer acompanhamento, os casos, que eram poucos, agora aumentaram”, disse a missionária.
Na semana passada, lideranças indígenas do Vale do Javari estiveram em audiência com o titular da Sesai, Antônio Alves, em Brasília, para entregar um documento intitulado “Saúde na Terra Indígena Vale do Javari”, produzido pelo Instituto Socioambiental (ISA).
Em declaração dada por meio da assessoria de comunicação da Sesai publicada no site do órgão, Alves disse que o Vale do Javari é uma “prioridade”.
“Com a assinatura dos novos convênios, haverá um reforço nas equipes multidisciplinares de saúde e consequentemente um salto de qualidade no atendimento à saúde dos povos indígenas do Vale do Javari”, disse ele.
O secretário mencionou, ainda, ações que serão desenvolvidas nos próximos meses no local, como a implantação do teste rápido para detectar HIV, sífilis e hepatites nas aldeias e a estruturação dos Conselhos Locais de Saúde Indígena.
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