Escola é aliada no resgate da infância

Sala de aula serve de refúgio para que crianças pobres e sem ambiente para aprendizado em casa se desenvolvam

Daniela Garcia, do Hoje em Dia

Como falta um ambiente propício para o aprendizado dentro de casa, a escola tem sido um refúgio para que as crianças de até seis anos de idade se desenvolvam. É o que afirmam os especialistas e o que constatam, no cotidiano, os profissionais da Escola Municipal Professor Christovam Colombo dos Santos, no Bairro Estoril, na Região Oeste de Belo Horizonte.

A instituição de Educação Infantil oferece 360 vagas, em dois turnos, para crianças de três a cinco anos. Cerca de 70% delas são direcionadas para famílias abaixo da linha da pobreza, segundo a vice-diretora, Anadete de Sá Silveira.

As dificuldades de aprendizado e de convivência dos estudantes pobres são nítidas quando comparadas às dos outros alunos da escola, analisa a coordenadora pedagógica, Mônica Rios Martins. “A criança chega aqui como se fosse uma folha em branco. Não sabe diferenciar amarelo de verde”, cita.

Essa realidade é resultado da pouca interação que ocorre entre os pais e os filhos, segundo a professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Irene Rizzini. “Todos os objetos em uma casa representam um novo mundo a ser explorado pelo menor. O adulto deve estar por perto para ensinar a função de cada um deles”, diz.

Ciente das condições precárias de vida da maioria dos alunos, Mônica costuma recomendar aos pais orientar os filhos com elementos do dia a dia. “Se for pegar um ônibus, pergunte à criança: ele é vermelho ou azul?”, ensina a pedagoga.

O uso de poucas palavras também é comum entre os alunos da instituição, segundo a coordenadora pedagógica. Há três anos, quando entrou na escola, Bruna Alves, de 6 anos, não gostava nem de conversar e tinha dificuldades de socialização. Mas, agora, topa até posar para fotos. “E a linguagem dela já melhorou muito”, afirma a vice-diretora.

Na opinião das educadoras do colégio, os alunos manifestam esses bloqueios com a fala porque a família não costuma estimular o diálogo. “As mães não conversam com os filhos”, lamenta Anadete. Para reverter o quadro, a escola distribui, no começo de cada semestre, um caderno com atividades para que pais e filhos executem juntos, a cada semana. “Mas, ao invés de fazer da maneira como a gente sugere, as mães preenchem de uma vez só o que deveria ser feito ao longo de seis meses”, conta.

Alunos entre 3 e 6 anos que reagem com agressividade às ordens das professoras também fazem parte da rotina da escola, segundo a vice-diretora. Na tentativa de contornar a situação, apenas de janeiro a junho foram realizados mais de cem encontros com pais para discutir a conduta violenta desses menores. “A reação dessas crianças, geralmente, reflete o que elas veem em casa”, afirma Anadete.

Outra possível causa para esse comportamento é o clima de ansiedade vivido em casa, segundo a presidente do Comitê de Neurologia Infantil da Sociedade Mineira de Pediatria, Marli Marra de Andrade. “O distúrbio de conduta, a rebeldia, a depressão e o nervosismo podem ser gerados pelo ambiente de instabilidade em que esses meninos estão inseridos”, diz.

A médica explica que, caso o contexto de pobreza não mude na vida dessas crianças, são altas as chances de que elas se tornem adolescentes fragilizados nos âmbitos intelectual e emocional. “Mais suscetíveis, portanto, à depressão e ao uso de drogas”, avalia Marli.

Atitudes no tempo certo

Marcos na vida do bebê como engatinhar, falar as primeiras palavras ou realizar atividades como tomar banho sozinho podem demorar a acontecer por falta de estímulos vindos da família, assegura a neurologista Marli Marra de Andrade. Para crianças que nascem na época certa, aos nove meses de gestação, são esperadas determinadas atitudes até os 6 anos. Outras ações, quando não acontecem, representam um motivo para procurar ajuda médica.

Marli explica que entre os seis e os nove meses, por exemplo, o bebê já deve conseguir se sentar sem apoio. Entre os oito e os 12 meses, é hora de engatinhar pela casa. Também espera-se que, com até 1 ano e dois meses, ele consiga andar sem ajuda.

Apesar de ter 1 ano e quatro meses de idade, Vitória ainda não deu os primeiros passos, conta a mãe Andréia Gomes de Souza, de 28 anos. Enquanto ela dava entrevista, a menina não saiu de seu colo. O bebê tem dois irmãos, de 5 e 10 anos. Todos moram na Vila Madre Gertrudes, na Região Oeste de BH.

Pronunciar apenas as palavras “papá” e “mamã” é outro indício de que o desenvolvimento da garotinha pode estar comprometido. Nessa idade, espera-se que a criança use entre três e cinco palavras.

Para um desenvolvimento normal, a médica sugere que os pais comecem a falar com o filho quando ele ainda estiver na fase de colo. “Podem também cantar músicas e usar brinquedos, como chocalhos”, ensina Marli.

Com o passar do tempo, os adultos devem manter o diálogo com as crianças. Aos 5 anos, devem ser corrigidas ao pronunciar alguma palavra errado. A neurologista também indica o uso de brinquedos pedagógicos coloridos, que estimulam o aprimoramento intelectual dos pequenos.

A recusa da criança de até 6 anos em se divertir é uma atitude que deve ser levada a sério pelos pais. Para Marli, é um sinal de que algo está atrapalhando o desenvolvimento. Júlia, de 7 anos, costuma dizer que não gosta de brincar. No tempo livre, ela prefere ajudar a mãe, Maraline Mendes da Costa, de 26 anos, a arrumar a casa. “Ela nunca foi muito de brincar”, explica Maraline, enquanto a filha, tímida, confirma, acenando com a cabeça.

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