A cadeia produtiva do desmatamento ilegal

Por Catarina Alencastro, do O Globo

Uma máfia que operava um sistema de compra e venda de carvão ilegal em pelo menos seis estados do Brasil contaminou uma parte representativa do setor siderúrgico em Minas Gerais, que usa o produto como combustível na fabricação de ferro-gusa, matéria-prima do aço. Depois de desarticular a quadrilha, que financiava carvão vindo do desmatamento ilegal do cerrado e da caatinga, o Ministério Público e o Ibama agora querem responsabilizar toda a cadeia produtiva envolvida no processo.

“O Ministério Público de Minas vai buscar a reparação dos danos ambientais por meio da responsabilização civil dos integrantes da cadeia produtiva”, afirmou o promotor Paulo César Lima, responsável pelo caso.

Os órgãos investigam o envolvimento de 34 empresas que receberam a carga de carvão ilegal. Por terem comprado material irregular, serão multadas e podem sofrer embargo das atividades que usam carvão de floresta nativa em seus altos fornos. Entre as siderúrgicas que se beneficiaram do produto, há grandes empresas, como a Gerdau, que defende a bandeira da sustentabilidade.

O esquema foi objeto da operação Corcel Negro 2, deflagrada há duas semanas e que servirá de base para a Corcel Negro 3, que terá como alvo as fabricantes de aço que compraram ferro-gusa dessas empresas.

“No caso de crime ambiental, mesmo não havendo dolo (intenção), há uma responsabilidade objetiva. Todas as empresas vão ter que responder pelo crime de ter usado em seu negócio o carvão ilegal como combustível. Além de multa e apreensão, vamos embargar o uso de carvão nativo”, afirmou Bruno Barbosa, coordenador-geral de Fiscalização do Ibama.

Segundo o MP, a quadrilha é muito organizada, agia há pelo menos três anos e contava com várias células criminosas, que se infiltravam até no serviço público. Na operação, nove funcionários da Secretaria de Meio Ambiente da Bahia foram presos. Os envolvidos cometiam, além do crime ambiental, fraude contra a ordem tributária e contra a administração pública.

A ação se dava da seguinte forma: microprodutores de carvão, explorados por pessoas que compravam o produto por 20% do preço de mercado, forneciam o material a atravessadores. Estes, por sua vez, saíam com a carga e adquiriam notas fiscais e Documentos de Origem Florestal (DOFs) fraudados.

DOF é a licença obrigatória para transporte e entrega de produto florestal. A emissão desse documento é controlada em tempo real pelo Ibama. Mas a quadrilha o comprava em postos de gasolina por cerca de R$2 mil. Oficialmente, a carga saía da Bahia, onde pelo menos 18 empresas fictícias fingiam produzir o carvão legalizado. Mas o Ibama descobriu que as carvoarias baianas não teriam como produzir o volume que estava saindo do estado. Descobriram, então, que nos locais de onde saía oficialmente o carvão havia apenas casas, lavouras e áreas desmatadas há décadas.

Desmatamento equivale à área de Recife

No total, 506 mil metros cúbicos de carvão foram negociados com a venda de autorizações falsas, uma movimentação estimada em R$65,7 milhões. Segundo o MP, o negócio gerou um prejuízo fiscal mensal de R$1,09 milhão para Minas Gerais.

Para o meio ambiente o prejuízo também foi alto. Pelo menos 18 mil hectares – uma área quase equivalente a Recife – foram desmatados sem autorização. Os dois biomas atingidos, cerrado e caatinga, são os mais ameaçados pela destruição de suas matas nativas. O primeiro já perdeu 48,5% de sua vegetação original, e o segundo, 45,3%.

– O principal dínamo do desmatamento da caatinga e do cerrado é a produção de carvão – aponta Barbosa.

Estima-se que o carvão responda por 30% dos custos de uma siderurgia na fabricação do ferro-gusa. Segundo o Código Florestal, as empresas são obrigadas a manter uma fonte de carvão, por meio de projetos de plantio de árvores (eucalipto e pinus, geralmente), ou contar com uma oferta legal de carvão de mata nativa. A maior parte das grandes empresas do ramo afirma em seus sites que tem preocupação ambiental.

Com relação ao caso da máfia do carvão, a Gerdau informou que foi autuada e recebeu uma multa de R$337 mil. A empresa disse ainda que está apurando quais irregularidades cometeu, mas que “não compactua com irregularidades em suas operações e atuará firmemente contra todos os fornecedores para evitar que situações como essa se repitam”, disse por meio de sua assessoria, em email enviado ao GLOBO.

Outra empresa apontada como beneficiária do esquema, a Companhia Siderúrgica Pitangui alega que não teve acesso à documentação que embasa a denúncia. “O problema está na origem, e não na ponta de consumo. Todo o carvão recebido pela Pitangui tinha documento legal expedido pelos órgãos responsáveis”, garantiu Mauro Araújo, advogado da empresa.

O advogado da Sidermin também negou conhecimento de que o carvão consumido pela empresa tivesse origem ilegal. Segundo ele, é impossível saber se o carvão é legal ou não e que a fiscalização compete ao Ibama.

Também listada entre as que compraram carvão ilegal, a Siderúrgica Paulino (Siderpa) informou que ainda não foi notificada pelo Ibama. E que toda a sua produção é abastecida com carvão oriundo dos 23.000 hectares de florestas plantadas que possui.

Procuradas, a Metalsider, a Indústria Siderúrgica Viana, a AVG Siderurgia e a Sicafe Produtos Siderúrgicos não se pronunciaram sobre o caso.

http://www.mst.org.br/A-cadeia-produtiva-do-desmatamento-ilegal

 

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