Mato Grosso do Sul: A nova fronteira do eucalipto

Por Winnie Overbeek (*)

Três Lagoas (MS)

Expansão do monocultivo na região de Três Lagoas (MS) empobrece o solo e sufoca produção de alimentos.

A região do Brasil, e talvez do mundo, onde a monocultura de eucalipto e a produção de celulose se expandem de forma mais rápida é no estado de Mato Grosso do Sul, especificamente na microrregião de Três Lagoas.

Atualmente, a microrregião conta com uma fábrica de celulose da Fibria – parceria entre a Aracruz e Votorantim – e com a fabricação de papel controlado pela estadunidense International Paper. A fábrica de celulose da Fibria produz 1,3 milhões de toneladas de celulose por ano e está previsto um investimento de R$ 3,6 bilhões para construir sua segunda unidade, cuja inauguração é esperada para 2014. Com isso, a empresa elevará a produção para 3 milhões de toneladas por ano. A Fibria tem atualmente 150 mil hectares de eucalipto e pretende duplicar essa área.

Além desse empreendimento, a empresa Eldorado Brasil está construindo uma fábrica na mesma microrregião para produzir 1,5 milhões de toneladas de celulose. A fábrica será inaugurada em novembro de 2012 e a empresa já ocupa 150 mil hectares de eucalipto. Também a empresa chilena Arauco e a portuguesa Portucel mostraram interesse em investir em plantações de eucalipto e fabricação de celulose no Mato Grosso do Sul.

Essa expansão desenfreada, inclusive isentada da necessidade de elaboração de estudos e relatórios de impacto ambiental por parte do governo do estado, foi o motivo pela qual a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMS), junto a outras universidades e organizações sociais, organizou um simpósio para debater “A formação do complexo celulose-papel no Mato Grosso do Sul: limites e perspectivas”, de 30 de junho a 02 de julho de 2011, em Três Lagoas.

Concentração fundiária

Conforme um estudo apresentado durante o seminário, a região passou desde 1970 por um processo intenso de pecuarização, o que levou a uma grande concentração fundiária e a diversos conflitos. No estado do Mato Grosso do Sul os estabelecimentos acima de 1000 hectares representam 10% das propriedades, mas ocupam 77% da área, conforme dados de 2006. Além disso, nos anos de 1970 foi implantada também uma área de eucalipto no estado, que foi aproveitada para produzir carvão. Em função disso, o estado do Mato Grosso do Sul chegou a ter um número de 8 mil trabalhadores escravizados na década de 1990, além da ocorrência de trabalho infantil.

Mais recentemente, a monocultura começou a se expandir novamente, dessa vez para produzir celulose. Entre 2005 e 2009, a área de plantio na microrregião de Três Lagoas duplicou de 152 mil para 308 mil hectares, quase tudo de eucalipto. A previsão é expandir essa área para 1 milhão de hectares em 2020.

Essa expansão está associada a uma série de mudanças significativas nas áreas rurais e urbanas. A produção de leite da pequena propriedade no município de Três Lagoas reduziu de 11 milhões para 5 milhões de litros de leite/ano entre 1995/96 e 2006. A produção de alimentos também foi reduzida e a de feijão praticamente não existe mais, numa área dominada pela grande propriedade. Hoje, a pequena propriedade chega a 30 mil hectares numa microrregião de um total de 4 milhões de hectares.

Com o valor das terras aumentando de forma descontrolada, os grandes proprietários conseguem aproveitar mais do novo boom, vendendo ou arrendando suas terras, aprofundando a já enorme concentração fundiária e bloqueando o processo de reforma agrária. Há relatos de desmatamento e o comércio local começou a falir. Os 10 assentamentos da reforma agrária na região, com 1.147 famílias, começam a ficar cercados pelo eucalipto. Na área urbana, com o grande fluxo de trabalhadores chegando para a construção da fábrica, houve problemas de superlotação em alojamentos. Constatou-se também um aumento nos índices de violência, especialmente no caso da violência doméstica contra as mulheres, que praticamente triplicou nos últimos anos.

Conversas com moradores locais mostram que a preocupação maior dos agricultores que vivem próximos das plantações é a aplicação de veneno. Afirmam que as empresas costumam usar o método de aplicação aérea, o que tem provocado preocupação e reclamações de mau cheiro. Também relatam que várias nascentes secaram. Outra preocupação é o esvaziamento do campo com a venda e arrendamento das fazendas, enriquecendo os grandes fazendeiros, mas retirando os moradores e trabalhadores das fazendas. Alguns ingressam na luta pela reforma agrária, sendo que na região o Incra há alguns anos não tem liberado recursos para novos assentamentos, dificultando ainda mais a vida dos agricultores assentados. Outras famílias desapossadas precisam buscar trabalho e moradia na cidade, onde o custo de vida tem aumentado significativamente devido à especulação imobiliária.

O que chama atenção nas áreas das plantações é a presença de algumas árvores solitárias, espécies de cerrado, no meio do eucalipto. Segundo um morador local, essas árvores nativas tendem a morrer no meio de um ‘mar de eucalipto’. Além disso, elas estão expostas à aplicação de veneno e estão isoladas da flora e fauna do cerrado, ausentes na monocultura, como se estivessem num ‘museu a céu aberto’.

Independente de conseguirem ou não sobreviver, a presença dessas árvores parece representar bem a situação do povo da microregião de Três Lagoas, onde alternativas a esse modelo não conseguem espaço. As árvores de cerrado, bem como a região e seu povo, foram ‘presas’ por um modelo de eucalipto-celulose que está em plena expansão com apoio total das autoridades estaduais e federais, enriquecendo alguns e deixando um futuro incerto para a maioria da população.

*Membro da Rede Alerta contra o Deserto Verde e do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes).

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=58840

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