Por racismo, Tintim vai para o banco dos réus

Há quem deseje a uma das aventuras do célebre personagem de Hergé que ela vá para um museu com uma placa dizendo: ‘coisas racistas e antiquadas’.

Por Hugo Souza

Tintim, o célebre jornalista e aventureiro dos quadrinhos criado em 1929 pelo belga Georges Rémi, o Hergé (1907-1983), enfrentou os maiores perigos ao longo de sua carreira fictícia viajando por lugares tão diferentes quanto a Suíça e a Índia, Austrália e Peru, Egito e Tibete, o “país dos sovietes” e a lua, sempre na companhia do seu fiel escudeiro, o cão Milu. Mas foi no antigo Congo Belga que Tintim, um ícone da cultura europeia, meteu-se em sua maior enrascada, arranjando para seu criador uma acusação de racismo que será julgada na Europa neste ano – o mesmo ano em que Tintim chegará às telas do cinema pelas mãos de ninguém menos do que Steven Spielberg.

No último dia 18 de abril, um tribunal de Bruxelas, na Bélgica, aceitou uma denúncia de um cidadão congolês chamado Bienvenu Mbutu Mondondo de que os seus compatriotas são tratados como “estúpidos e sem qualidades” no livro em quadrinhos “Tintim no Congo”. A queixa havia sido feita em 2007, mas o ministério público belga brigou desde então para que o caso fosse para a justiça comercial. Perdeu, e um julgamento na justiça comum foi marcado para o próximo dia 30 de setembro, data em que, dependendo do veredicto, pode sair a ordem para que o livro seja retirado das seções infantis das livrarias belgas.

‘O branco é muito justo!’

Não é a primeira vez que “Tintim no Congo” é alvo de uma acusação deste tipo. Antes mesmo de Bienvenu Mbutu Mondondo se queixar à justiça belga sobre o livro, a Comissão pela Igualdade Racial da Grã-Bretanha reconheceu oficialmente o teor racista da obra, e uma biblioteca pública de Nova York impôs restrições para quem quiser acessá-la. Além disso, a forte organização francesa Conselho Representativo das Associações Negras apoia o processo de Mondondo, que pede que o livro seja retirado das vistas das crianças, ou pelo menos que lhe seja colocado na capa uma tarja alertando para o conteúdo preconceituoso.

Em um trecho da história original que foi modificado na versão colorida, Tintim dá uma aula de geografia para os congoleses na qual diz: “Hoje vamos falar de vossa pátria: a Bélgica”. A aula de geografia foi substituída por uma aula de matemática na qual Tintim se esforça para encontrar algum aluno que saiba quanto é dois mais dois. Em outro trecho, dois negros conversam sobre a solução de Tintim para sua briga por um chapéu de palha, e uma frase dita por um deles sugere a pouca inteligência dos congoleses: “O branco é muito justo! Deu a metade do chapéu a cada um”.

‘Preconceitos do meio burguês’

Anos após escrever a obra, Hergé tentou se explicar:

“Da mesma maneira quando desenhei Tintim no país dos sovietes, ao desenhar Tintim no Congo estava alimentado de preconceitos do meio burguês no qual vivia… Era 1930. Conhecia deste país apenas o que as pessoas contavam na época: ‘os negros são grandes crianças, felizmente estamos lá!’, etc. E desenhei os africanos de acordo com estes critérios, de puro espírito paternalista, que era o da época na Bélgica”.

A justificativa de Hergé remete a um dos argumentos dos defensores de Monteiro Lobato na polêmica do suposto racismo contido na obra “Caçadas de Pedrinho”, segundo o qual o maior autor brasileiro de histórias infantis refletiu em sua obra os preconceitos do seu tempo.

A comissão britânica que repudiou oficialmente “Tintim no Congo”, entretanto, considerou em seu comunicado que “de qualquer ponto de vista que se observe, o conteúdo deste livro é flagrantemente racista”, e “o único lugar onde pode ser aceitável ter o livro exposto é num museu, com uma enorme placa por cima dizendo ‘coisas racistas e antiquadas’”.

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