Adição de cachaça em bebida tradicional agravou alcoolismo entre indígenas, diz estudo

Caxiri, bebida tradicional dos índios do Alto Rio Negro, consumida em comemorações, não tem teor alcóolico mas seu preparo leva fermentação

Elaíze Farias

A adição de álcool (sobretudo o derivado da cachaça) e açúcar industrializado no caxiri, bebida tradicional da região do Alto Rio Negro, no Amazonas, vem contribuindo para aumentar o alcoolismo entre a população indígena daquela localidade.

Este dado integra resultado de uma pesquisa preliminar realizada desde o início deste ano na zona urbana do município de São Gabriel da Cachoeira (a 851,23 quilômetros de Manaus).

A psicóloga Ana Délia Oliveira, uma das coordenadoras da pesquisa, diz que este resultado merece uma análise e uma reflexão, pois o caxiri pode estar sendo um estimulante para que o indivíduo, especialmente indígena, torne-se um dependente de álcool.

A pesquisa, que ainda terá uma segunda etapa, foi realizada por uma equipe multidisciplinar da Secretaria Municipal de Saúde de São Gabriel da Cachoeira e da Diocese do município.

O estudo pretende fazer um diagnóstico sobre o consumo de álcool e drogas entre os indígenas que vivem na zona urbana do município.

Nesta primeira etapa, foram aplicados 500 questionários, entre eles o item dedicado ao caxiri.

Entre os que responderam as questões, 75% das pessoas afirmaram que consomem álcool e drogas ilícitas.

Fermentação

O estudante de mestrado João Paulo Barreto, da etnia tukano e nascido na região de São Gabriel da Cachoeira, confirma que o consumo de caxiri com álcool aumentou nos principais centros urbanos do município, entre eles o Distritos de Iauaretê e de Pari-Cachoeira.

Ele não sabia, contudo, que este quadro também se repetia com relevância na zona urbana de São Gabriel da Cachoeira.

Conforme Barreto, o caxiri tradicional, consumido em festas coletivas, não tem teor alcoólico e leva apenas mandioca fermentada durante dias.

No preparo, a bebida também leva diferentes produtos, como batata e pupunha, além de cana-de-açúcar para dar o sabor.

“Provavelmente para o efeito de fermentação ficar mais rápido estão colocando álcool.  E para ficar forte, colocam açúcar”, disse.

João Paulo Barreto esclarece que o consumo de álcool e drogas entre os indígenas é historicamente elevado, mas que as causas são, na maioria das vezes, sociais e reflete a faltam de perspectiva profissional e econômica da população.

“Os mais jovens vão para a cidade para estudar e os pais acompanham.  Chegando lá, entram em contato com outras pessoas, e quando terminam os estudos não têm o que fazer.  Não tem emprego.  Ficam sem alternativa”, disse.

O antropólogo Raimundo Nonato Pereira, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), salienta que o caxiri “não pode ser criminizado” por conta dessa constatação.

“Isto ocorre não de forma generalizada.  Nas comunidades alguns membros das comunidades conseguem burlar a fiscalização da Funai.  Mas não ocorre em todas, porque a própria comunidade condena.  Isso é mais comum nos centros urbanos”, disse ele.

São Gabriel da Cachoeira é o município com maior população indígena do país.  Na região vivem 23 etnias diferentes, a maioria delas com línguas próprias, com domínio do tukano, baniwa e nheengatu.

 

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=384304

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