Márcia Acioli – Arte-educadora
Em 26 de julho de 2010, um garoto é morto à queima roupa por policiais, em Fortaleza, na garupa da moto do pai. Segundo os policiais, foi uma abordagem trágica. O pai não parou e o policial não hesitou. Com um tiro na cabeça, o garoto, com 14 anos, perde a vida.
No dia 22 de setembro de 2010 outro adolescente de 17 anos morreu após levar um tiro em frente à sua escola por um disparo de uma policial militar na tarde de quarta-feira, 22, em M’Boi Mirim, São Paulo. A policial alega que foi um tiro acidental.
O estudante negro Helder Souza Santos no dia 06 de fevereiro de 2011 em Jaguarão / RS foi abordado de forma truculenta por policiais militares para uma revista. Ao questionar o procedimento o estudante foi agredido, jogado no chão e algemado com ofensas racistas.
Como estes adolescentes de periferia (ou não), pobres e negros, outros milhares perdem a vida no encontro com quem tem como ofício garantir a segurança. Embora muitos casos ocorram em surdina o processo de extermínio prossegue incessantemente. Essa questão não pode ser tratada como coincidência, nem obra do acaso. A repetição deste padrão reflete um modus operandi da segurança pública do país e reflete o que se conhece como “racismo institucional”, a estigmatização pelos agentes públicos de determinados segmentos da população com base na cor da pele ou em outra característica étnico-racial.
A violência policial não é esporádica, eventual, nem local (tem dimensão nacional), mas tem direção certa. As vítimas da truculência da polícia são, via de regra, jovens negros, pobres e moradores de áreas de baixo acesso a políticas públicas. Portanto, a violência policial é um comportamento pautado por uma lógica institucional que efetivamente instiga e produz mais violência.
Cabe tentar compreender o fio que tece o pano de fundo desta política. O problema não pode ser analisado de forma simplista considerando apenas os maus profissionais, embora este seja um problema igualmente grave. A frequência elevadíssima de fatos como esses é suficiente para compreendermos que não é obra isolada da chamada banda podre da polícia, mas fruto de uma corporação não preparada para atuar em consonância com os direitos humanos.
Acontece que além da incapacidade de oferecer à população uma política de ações estratégicas e coordenadas para defender e proteger a sociedade da violência, a polícia adota “comportamentos discriminatórios e estereótipos racistas que acarreta desvantagem de grupos raciais a benefícios gerados pela ação do Estado e que deveriam ser universais”(1). O “elemento suspeito”(2), o potencial agressor, a promíscua, a vadia são invariavelmente pessoas de cor negra. Basta olhar nossas instituições de internação, seja de adolescentes, seja de adultos, para reparar o caráter de navio negreiro de cada presídio.
E é espantoso o que a incrível habilidade dos discursos das forças dominantes é capaz de produzir. Apesar da violência letal que afeta a juventude negra, é justamente ela apontada como maior responsável pela violência urbana. E quem ousa levantar a voz em reação é condenado a enfrentar pessoas enraivecidas que insiste em nos chamar de defensores de bandidos.
O problema, então, exige como resposta mais do que capacitações; exige uma nova política que seja capaz de zelar pela paz, proteger e promover a segurança para todos os cidadãos e cidadãs com igual deferência, sem discriminações, sem preconceitos.
Notas:
(1) Segurança Pública e Cidadania, uma análise orçamentária do Pronasci, Inesc 2010.
(2) Referencia ao livro “Elemento Suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro”, de Sílvia Ramos e Leonarda Musumeci.
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=55481