20 DE NOVEMBRO – Feriado legítimo, fundamentado e fundamental

Paulo C. Pereira de Oliveira

Milton Santos, o grande geógrafo negro que precisou sair do país para ser reconhecido, dizia que ser negro no Brasil nos obriga “a uma condição de permanente vigília”.

É isso, o racismo não nos dá trégua. Quando baixamos a guarda, achando que alguma conquista de promoção da igualdade racial está consolidada, os racistas se levantam outra vez.

O feriado da Consciência Negra veio após anos de luta, em 2006. Em 2007 já estava sendo questionado pela Acirp, Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto. Agora é a diretoria regional do Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) que entrou na justiça contra o feriado do 20 de novembro.

Os argumentos continuam os mesmos. Dizem que a cidade tem muitos feriados e que isso dá prejuízo. Não duvidamos!

Nossa dúvida é: por que só questionam o feriado do 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra, sempre, e nenhum outro? Claro, não interessa pras nossas elites um feriado que agrega valores tão fundamentais como a liberdade, a igualdade, a luta por direitos, quando eles praticam a exploração, a discriminação racial, o lucro a qualquer custo e o consumo exacerbado, e o mais importante, que se reporta à história do povo negro.

Ora, feriado por feriado, questionem o natal, que paralisa a produção por vários dias. Não, não o farão. Não apenas por que o lucro gerado pelo consumismo natalino é monstruoso, mas também por que sua essência está na cultura cristã-ocidental, hegemônica no país.

Escondem-se atrás de supostos “fundamentos jurídicos” para esconder o que realmente pensam e sentem. Não querem o 20 de novembro por que é uma data fruto do “ativismo negro” com o objetivo de chamar todos os brasileiros e todas as brasileiras, negros e negras, ou não, a dedicarem-se de maneira especial à reflexão sobre as relações raciais no Brasil e sobre as mazelas geradas pelo racismo em nosso país. É um convite para a construção de uma nova consciência de brasilidade, capaz de incluir também os afro-descendentes no projeto nacional brasileiro, com cidadania plena.

O 20 de novembro, como data que questiona o racismo no país, coloca em cheque também o racismo presente no mercado de trabalho construído pelo comércio e pela indústria nacionais, no qual negros e negras são excluídos por suas características fenotípicas. São gritantes os número dos institutos de pesquisa (IBGE, IPEA, DIEESE, etc.), que denunciam a discriminação racial no mercado de trabalho brasileiro. Os trabalhadores negros e as trabalhadoras negras são sistematicamente submetidos a rendimentos inferiores aos rendimentos dos não-negros, quaisquer que sejam as situações ou os atributos considerados, quando não tem seu direito ao emprego negado por suas características aparentes.

Não vemos esforços dessas mesmas entidades representativas do comércio e da indústria, que questionam o 20 de novembro, no combate ao racismo no mercado de trabalho. Pois bem, sem desigualdade racial não haveria necessidade de um feriado para a afirmação da igualdade. Sem uma construção hegemônica que nega a história, a cultura e a própria existência de metade da população brasileira, o 20 de novembro realmente não se justificaria. Se as datas nacionais nos incluíssem, se o panteão dos heróis nacionais nos incluísse, se a história nacional “oficial” nos incluísse, se o mercado de trabalho não nos discriminasse, o 20 de novembro não se justificaria. Mas a realidade é outra.

A partir da segunda metade do século XIX teve início no Brasil uma política nacional de “branqueamento”, cujo objetivo era construir uma nação de descendência européia, considerada a “ideal” e sinônimo único de civilização e desenvolvimento. Essa mesma política determinou também a formação de um panteão cívico e de datas nacionais, destacando heróis e eventos históricos que não incluem os afro-descendentes e os indígenas, considerados inadequados ao perfil de país que se pretendia. Grandes assassinos de negros e indígenas, como os bandeirantes, por exemplo, foram incluídos, e hoje constituem nomes de escolas, praças públicas, ruas, avenidas e rodovias, já que seus “crimes” eram consoantes ao projeto de formar um país de brancos, não somente nas características físicas, mas também em seu perfil histórico, político e ideológico.

Zumbi dos Palmares e muitos outros heróis negros que lutaram e morreram pela liberdade, por igualdade de direitos e por um Brasil sem racismo, ficaram e ficam ignorados, pois suas lutas sempre foram contrárias aos interesses das elites nacionais, primeiro para destruir o escravismo criminoso que construiu suas riquezas, palácios e templos; e, depois contra a política e economia pós-abolição, estruturadas utilizando o racismo como instrumento de exploração e dominação dos afro-brasileiros.

A recuperação da história de Zumbi é uma ação revolucionária, que contradiz a “invenção racista” de um Brasil de brancos e a cotidiana reafirmação desta branquitude nos conteúdos, práticas e imagens reproduzidas na mídia nacional (novelas e outros), na educação formal e em todas as relações sociais.

Por ocasião do 20 de novembro de 2008, encontramos um grupo de crianças realizando um trabalho a pedido da professora. Deveriam circular por um número “x” de estabelecimentos comerciais e bancários, e visualizar, apenas visualizar a presença e / ou a ausência de pessoas negras trabalhando. Eram crianças de 10 a 12 anos, e descreveram exatamente o que enxergaram, uma violenta discriminação racial, a ausência ou a presença nos postos de trabalho mais precários e pior remunerados.

Pois bem, senhores e senhoras da ACIRP e da CIESP, façam como esse grupo de crianças, apenas observem o lugar que têm relegado para a população negra nas suas empresas, e comprometam-se com a promoção da igualdade racial. Se querem manter seus lucros intactos, fiquem a vontade pra questionar algum dos muitos feriados que aí estão colocados, mas não toquem no 20 de novembro, data nacional legitima, símbolo maior das lutas por um Brasil sem racismo, pautado na liberdade e na igualdade.

Ribeirão Preto, 24 de março de 2011


Centro Cultural Orùnmilá


“Compromisso, senão lutar vira negócio; respeito, senão militância vira farra; memória, senão a desgraça se repete”.  (Hamilton Walê)

“A escrita é uma coisa, e o saber, outra. A escrita é a fotografia do saber, mas não o saber em si. O saber é uma luz que existe no homem, a herança de tudo aquilo que nossos ancestrais vieram a conhecer e que se encontra latente em tudo o que nos transmitiram, assim como o baobá já existe em potencial em sua mente”. (Hampatê-Bá)

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