“A decisão do CNJ sobre o Pará significa para o Incra a possibilidade de obter meios de ação de que jamais dispôs”, escreve Jânio de Freitas, jornalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 24-08-2010.
Eis o artigo.
Duas iniciativas que nunca esperei ver aí estão, ao menos nos primeiros passos. Quase concomitantes, a primeira vem com a investida do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o cancelamento da posse de 5,5 mil áreas e respectivos registros irregulares no Pará. A outra, na decisão do Incra de invocar a medida do CNJ para pedir aos tribunais o cancelamento das posses, e respectivos registros irregulares, em 432 ações suas que já transitam, ou dormitam, em seis Estados amazônicos.
A importância das duas iniciativas, a partir da decisão do ministro Gilson Dipp, corregedor do CNJ, não se encerra no valor que têm por si mesmas. Com elas abrem-se várias perspectivas.
A atitude do CNJ tem repercussão direta sobre os Judiciários estaduais, pela demonstração da relevância enfim reconhecida ao problema. Além disso, é uma advertência implícita aos juizados que agravam, por diferentes modos e fins, a parcela de responsabilidade do Judiciário brasileiro na aberração de ilegalidades que é, em grande parte, a posse de terras no Brasil.
Do ponto de vista da legalidade de seu solo, o Pará, por exemplo, não é um Estado: é uma grande e desmedida grilagem. Com clareiras de legitimidade.
O Incra, nascido sob o ônus do nome de Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, em seu meio século mostrou-se mais como objeto de polêmica que de interesse e apoio dos governos. Ou repudiado pelos defensores de suas finalidades legais, por traí-las, ou pelos poderosos adversários delas e pelos militares, por pretender cumpri-las, o Incra não poderia fazer um bom histórico. Em relação à grilagem, nunca esteve dotado de mais recursos do que entrar com ação judicial, como qualquer um, e ficar pendurado nos anos de espera infinita, como continua. Nem quando quis, pôde ser eficaz. A decisão do CNJ significa para o Incra a possibilidade de obter meios de ação de que jamais dispôs.
Não só Estados do Norte são territórios deformados por posses ilegais e registros irregulares. Esse é um mal brasileiro, ainda marcante no Centro e no Oeste. A decisão do CNJ é dirigida ao Pará, mas seu futuro não se prende a esse Estado, como não precisa prender-se à história brasileira. Se isso ocorrer, o Brasil ganha nova cara. E vida nova. Como se deu com os Estados Unidos a partir de sua reforma agrária, pelo Homestead Act.
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