Artista gráfico, cenógrafo e jornalista, Elifas revolucionou, ou elevou a status de arte, a criação de capas de discos no Brasil. Como exemplo, pode-se citar a ilustração do disco Nervos De Aço, gravado por Paulinho da Viola em 1973. “A capa trazia uma nova informação, era uma declaração pública de como o artista se sentia. Foi feita com o consentimento do Paulinho e acabou virando um marco”, conta o artista que, nos anos de chumbo, tinha a censura e a opressão como inimigos. Hoje, tem o mercado. A seguir uma entrevista exclusiva com o artista.
Brasil de Fato – Como era criar uma arte contestatória durante uma ditadura?
Elifas Andreato – Era um embate. A censura cerceava a informação e nos forçava a ser criativos. Fazíamos o registro do momento por meio de metáforas. Era um grande desafio trabalhar, muitas vezes, com censores na própria redação. Mas não acho que a censura tenha acabado. Ela apenas se transformou e hoje é exercida pela mídia e pelo poder econômico. A quantidade de lixo nas bancas e nas tevês é absurda. Se espremer a programação, pouca coisa é relevante. Por trás disso está o interesse de alienar e não discutir os problemas do país. Se a tevê é uma concessão pública, por que não tem nenhum programa educativo no horário nobre?
Como você vê a questão dos direitos humanos hoje no Brasil?
São muito pouco respeitados, a começar pelo direito das crianças. Somos um país perverso com uma grande maioria vivendo na pobreza. Quando comecei a trabalhar, muitas das figuras políticas já estavam aí, legislando em causa própria. Uma realidade que mudou muito pouco em mais de 40 anos.
Observando sua obra, percebe-se uma nítida ligação com a música popular brasileira. De que maneira as duas artes se encontram?
Faço parte de uma geração que, embora tenha sofrido com uma ditadura, foi vitoriosa. Uma geração talentosa da qual acabei fazendo parte como aquele que fazia a interpretação visual daquele momento. A música era uma voz forte contra o arbítrio. E meu trabalho era a síntese do que acontecia em uma única imagem, seja na música, no teatro ou em livros. Sempre tive a consciência de que o que fazia era o primeiro convite para as pessoas ouvirem o disco, assistirem a peça ou ler o livro. Eu tinha que assumir a responsabilidade de transformar graficamente aquelas criações.
Suas capas de discos se tornaram uma referência para o público.
Sempre fiz o que interpretava da obra. Me obrigava a estar com o autor. Jogava sinuca, futebol, bebia cerveja. E inaugurei uma nova maneira com o disco para o Paulinho (Nervos de Aço, 1973), que eu considero o primeiro e que acabou virando um marco. Toda criação de comum acordo com o artista.
A opção da indústria fonográfica pelo CD te afetou de alguma maneira?
A redução do espaço foi frustrante e também tem a questão da camisa de força da caixinha plástica. Existe toda uma estrutura que envolve da empilhadeira que carrega os CDs na fábrica até as gôndolas de exibição. Tudo relacionado ao formato das caixinhas. Além disso, acrescentar uma simples luva de papel muda todo o custo porque a caixinha é feita em larga escala, que é a forma mais barata. E também houve uma mudança de mentalidade na indústria. Mas continuo fazendo para amigos ou coisas de que gosto. Recentemente fiz para o Martinho (Poeta da Cidade – Martinho canta Noel), com uma homenagem ao Nássara, para o Tom Zé, para o Paulinho da Viola…
E as novas tecnologias influenciam sua produção?
Continuo na prancheta, mas tenho um assistente que trabalha com uma ferramenta incrível que é o computador. Ela é precisa e é impossível pensar no mundo sem ela. Mas ela não pensa, não cria. E a arte depende o artista, pode ser revolucionária ou não.
Serviço
Elifas Andreato – As cores da resistência
Memorial da Resistência de São Paulo
Largo General Osório, 66
De terça a domingo, das 10 às 17h30
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/cultura/quando-o-pincel-e-uma-arma