Durante os dias 23 e 24 de junho, o procurador da República Álvaro Manzano participou de reuniões com lideranças do povo indígena karajá, realizadas na escola da aldeia Santa Izabel do Morro e na Câmara de Vereadores de São Félix do Araguaia (MT), cidade localizada na margem oposta do rio Araguaia e a mais próxima da aldeia, por sua vez localizada no extremo oeste da Ilha do Bananal. Participaram da reunião representantes do Dertins, da Funasa (DSEI Araguaia), da Secretaria de Estado da Educação do Tocantins (Seduc) e da Marinha do Brasil.
A chefe do Departamento Especial de Saúde Indígena do Araguaia, Leila Fonseca, esclareceu as dificuldades para contratação de médicos que se disponham a trabalhar pelo salário que o órgão pode oferecer. Marques Moura, técnico de saneamento da Funasa, expôs os entraves burocráticos para a construção dos banheiros, como a falta de conhecimento das especificidades locais pelo responsável pela contratação das obras. Parte da reforma dos banheiros já foi concluída, sendo prevista a construção de 20 banheiros novos, a partir de licitação que ocorrerá em breve. Também foi informada a licitação para instalação do serviço de abastecimento de água. Manzano esclareceu o papel dos conselheiros indígenas, que devem representar suas comunidades e não a si mesmos ou a instituição para a qual trabalham. Foi solicitada pelos indígenas a realização de uma auditoria nos processos relacionados com o saneamento básico e o atendimento à saúde da aldeia, pedido acatado pelo procurador.
O representante da Seduc-TO, Waxiô Karajá, falou sobre a nova escola para a aldeia Santa Izabel, com licitação prevista para 60 dias, e apresentou o Diário Oficial do Tocantins que confirma a escola como reconhecida e em situação regular. Esclareceu que está prevista para 2011 a realização de concurso destinado a selecionar professores para as escolas indígenas. Diante de declarações dos indígenas sobre a importância dos pais de acompanharem a situação dos seus filhos na escola, o procurador ressaltou a necessidade dos indígenas assumirem o protagonismo de suas próprias vidas, pois somente assim serviços públicos como educação e saúde serão prestados de uma forma que atenda suas necessidades.
A respeito do acesso às aldeias, o engenheiro do Dertins Antonio Ferreira Filho expôs os procedimentos previstos para julho deste ano para manutenção emergencial que permita o tráfego em melhores condições no interior da Ilha do Bananal. Não é a construção de uma estrada, que depende de processo mais complexo devido às características de alagamento sazonal da ilha, mas que deve facilitar o acesso. Os indígenas também solicitaram a recuperação das pontes, e procurador esclareceu que este trabalho deve ser realizado em outro momento, pois não constava do pedido inicial.
Sobre as embarcações utilizadas pelos indígenas, Manzano fez um histórico sobre a situação e destacou que a Marinha não pode se omitir em relação à falta de segurança constatada nas embarcações. O comandante da Capitania dos Portos Araguaia/Tocantins, capitão Potiguara, ressaltou que a Marinha reconhece a importância da navegação para as aldeias e que por isso tem usado o bom senso para não privar as comunidades de suas embarcações, mas entende ser urgente que os indígenas tenham barcos melhor estruturados à sua disposição. Enfatizou que o indígena que tem a embarcação registrada em seu nome seria responsabilizado na ocorrência de algum acidente, e solicitou que os integrantes da comunidade se reúnam para definir qual dos dois barcos será primeiramente encaminhado para reforma, enquanto a outra embarcação continue a atender a todas as aldeias provisoriamente. Potigura também afirmou a possibilidade de engajamento da instituição em atividades relacionadas à saúde. Os indígenas comprometeram-se a buscar parerias e recursos apresentar uma proposta de reforma para uma de suas embarcações.
O procurador apresentou informações sobre o cronograma previsto pela Celtins para o processo de instalação da rede de energia elétrica na aldeia, que deve estar concluído no dia 12 de novembro, a partir de São Felix do Araguaia.
Atuação da Funai – A reunião na Câmara de Vereadores de São Félix do Araguaia debateu especialmente o fechamento da administração regional da Funai que existia na localidade, ocorrida durante o processo de reestruturação do órgão. João Werraria Karajá expôs os problemas que os indígenas estão enfrentando, seguida de outras manifestações pela reabertura da administração regional do Araguaia. O procurador explicou que o MPF não pode determinar à União qual a melhor maneira como instituições voltadas ao atendimento dos indígenas devem ser organizadas em termos administrativos, mas ressaltou que irá cobrar que as políticas públicas funcionem adequadamente. Em sua avaliação, a Funai não vem trabalhando da forma como deveria.
Alcoolismo – Outro assunto debatido foi o alcoolismo, que segundo as lideranças vem crescendo entre os índios, assim como a incidência de outras drogas. O procurador ponderou que trata-se de uma epidemia que atinge toda a comunidade, sendo necessário tratar não apenas os casos individuais, mas a comunidade como um todo. Manzano propôs a realização de um seminário para discutir as causas e possíveis formas de enfrentar o alcoolismo entre os karajá, envolvendo indígenas e órgãos com atribuições relacionadas com o atendimento às comunidades. O MPF/TO convocará uma reunião preparatória para este evento, que ocorrerá em Palmas ainda no mês de julho.
O consumo de álcool entre os indígenas traz uma série de problemas, ao ponto de ser cogitada por eles mesmos a proibição da venda de álcool aos índios. Sobre este assunto, Manzano esclareceu que a venda de bebidas alcoólicas é permitida no país, e que sua proibição aos índios caracterizaria discriminação. A ocorrência de fatos graves, como o assassinato recente de um índio por outro devido ao abuso de álcool, levou a um debate para busca de soluções que possibilitem a investigação de crimes ocorridos nas aldeias próximas ao estado do Mato Grosso, uma vez que a aldeia Santa Isabel pertence ao município de Lagoa da Confusão (TO), sendo inviável a ação da Polícia Militar do estado vizinho.
Criação de gado – Questionado sobre a questão das parcerias para criação de gado no interior da Ilha do Bananal, o procurador fez um histórico do processo que levou ao estabelecimento do termo de compromisso que visava regularizar a situação e propiciar alternativas de renda para os indígenas. Esclareceu que a direção nacional da Funai, que chegou a colaborar na definição de áreas e quantidade de animais que cada região poderia suportar, passou a postar-se contrariamente ao projeto, o que por subsidiou uma decisão da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF determinando a anulação do termo de compromisso. Neste contexto, explicou que não pode mais assinar nenhum tipo de documento manifestando concordância com as atividades, apesar de entender que não haveria ilegalidade. Em seu entendimento, os índios não necessitam de autorização da Funai para atividades produtivas como piscicultura.
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