A reportagem é de Fernando Dantas e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 27-06-2010.
A diferença entre as duas pesquisas deve-se basicamente à inclusão, na POF, da economia de subsistência, a chamada “renda não monetária”.
A diferença é muito grande, e significa que a pobreza no Brasil é 35% menor do que se pensava. Em vez de 29,8 milhões, resultado extraído da Pnad, são 19,9 milhões, a partir da POF. Neri, que chefia o Centro de Políticas Sociais (CPS), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio, observa que a comparação mais correta é do número da Pnad ajustado pela estimativa da população da POF, o que o leva para 30,5 milhões – ou 10,6 milhões a mais que os 19,9 milhões revelados pela POF.
“Isso significa uma diferença muito importante no custo de se acabar com a pobreza – ele cai aproximadamente pela metade”, diz Neri. Na verdade, transferências perfeitamente focalizadas de R$ 11,2 bilhões por ano (um pouco menos do que o gasto com o Bolsa-Família) seriam capazes de acabar com a pobreza retratada pela POF. No caso do número de pobres que sai da Pnad 2008, aquele custo sobe para R$ 21,8 bilhões.
Linha de pobreza
A linha de pobreza utilizada pelo pesquisador foi criada pelo Centro de Políticas Sociais, e equivale a uma média de R$ 140 de renda familiar per capita em janeiro de 2009. O valor varia de região para região do País, de acordo com o custo de vida. Essa linha de pobreza, na verdade, é relativamente baixa e, por vezes, os que estão abaixo dela são considerados miseráveis. Neri ressalva, entretanto, que, como linha de indigência, seria um pouco alta.
A razão principal para a diferença entre o número de pobres nas duas pesquisas é o registro que a POF faz da economia de subsistência, ou “economia primitiva”, como se refere Neri. Basicamente, trata-se do consumo que não passa pelo mercado e consiste primordialmente na agricultura de subsistência.
O pesquisador nota, porém, que a divergência também pode ser explicada, em uma parte bem menor, pelo fato de que a POF, uma pesquisa muito detalhada e que vai a campo durante um ano, retrata com mais exatidão os programas sociais. “Acredito que a POF seja mais fidedigna nesse aspecto”, ele diz.
A Pesquisa de Orçamento Familiar de 2008 e 2009, na verdade, mostra até uma redução relativa da renda não-monetária dos pobres, que chegou a 25,8% do total dos rendimentos – comparado a 32,7% na POF de 2002 e 2003.
Transferências
Outro ponto que chamou a atenção de Neri na POF 2008-2009 é que o crescimento das transferências públicas para os pobres, desde a POF 2002-2003, foi praticamente o mesmo que para a média da população.
Em outras palavras, nessa fase considerada uma “era de ouro” pelo pesquisador, por causa da grande queda na pobreza e na desigualdade, as transferências não foram particularmente focadas nos mais pobres.
Assim, as transferências públicas para os pobres, que correspondiam a 21,5% da sua renda em 2002 e 2003, passaram a representar 26,7% em 2008 e 2009 – um salto de 24%.
No caso da população como um todo, as transferências eram 15% da renda em 2002/2003, e 18,5% em 2008/2009 – avanço de 23%.
Neri ainda não teve tempo de calcular esse dado por faixa de renda, mas sua suspeita é de que a substancial ampliação das transferências como parcela da renda média vá além dos pobres e dos que estão logo acima da pobreza.
Ele nota, por exemplo, que o aumento recente dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo, de 7,7%, representa uma despesa adicional de R$ 4,5 bilhões por ano. Esse valor é o que se vai gastar além do que é necessário para repor a inflação, que é o reajuste previsto pela Constituição.
Esse gasto adicional corresponde a 40% dos recursos necessários para acabar com a pobreza, e a 35% do que deve se gastar com o Bolsa-Família em 2010 (aproximadamente R$ 13 bilhões). Embora não conste da POF 2008-2009, aquele aumento dos aposentados reflete uma tendência da transferência pública nos últimos anos.
“O Estado aumentou seus repasses para todos os segmentos da sociedade, e não apenas para os pobres”, conclui Néri.
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