A marcha dos indígenas na Bolívia

Unisinos – Indígenas bolivianos pedem mais participação nas decisões do Estado que lhes dizem respeito, como na exploração dos recursos naturais. O presidente aimara, Evo Morales, adverte que alguns dirigentes são controlados pelos Estados Unidos.

A reportagem é de Sebastián Ochoa e está publicada no jornal argentino Página/12, 22-06-2010. A tradução é do Cepat.

A Confederação dos Povos Indígenas da Bolívia (Cidob), que representa 34 nações do oriente do país, começou nesta segunda-feira uma marcha de 1.450 quilômetros de Trinidad, capital do Beni, até La Paz. Exigem do governo de Evo Morales que respeite seus direitos reconhecidos em tratados internacionais. E pedem mais participação nas decisões do Estado que lhes dizem respeito, como a exploração dos recursos naturais em seus territórios.

O presidente, por sua vez, solicita que dialoguem e garante que vários dirigentes de organizações indígenas são manipulados pelo governo dos Estados Unidos. Morales participou, na segunda-feira, da celebração do Ano Novo aimara 5518 em Tiawanaku.

A dimensão “indígena” do governo de Morales corresponde à sua indiscutível liderança sobre todas as organizações originárias e camponesas do país. As matrizes são cinco: a Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (Csutcb), a Confederação Sindical de Comunidades Interculturais da Bolívia (Cscib), a Confederação Nacional de Mulheres Camponesas Indígenas Originárias da Bolívia Bartolina Sisa (Cnmciob BS), o Conselho Nacional de Markas e Ayllus de Qullasuyu (Conamaq) e a Cidob. Juntas, formam o Pacto de Unidade, criado durante a Assembleia Constituinte (2006-2008) para garantir que as demandas indígenas ficassem impressas no novo texto constitucional.

Atualmente, o Pacto de Unidade tenta se rearticular e propor à Assembleia Legislativa Plurinacional algumas das 100 leis necessárias para que a nova Constituição funcione plenamente. Mas, várias organizações – como a Conamaq e a Cidob – dizem que o governo faz projetos de lei sem consultar as bases. Um deles seria a lei de Autonomias, cuja distância entre o que Morales oferece e o que os indígenas reclamam provocou o início da marcha.

Conamaq e Cidob denunciam que o governo não respeita o direito de consulta às comunidades indígenas quando pretende explorar recursos naturais em seus territórios, como estabelece o Convênio 169 da OIT e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU, aprovados como lei pelo Congresso boliviano.

A falta de consulta gerou um conflito no norte amazônico de La Paz, onde está suspensa a exploração de hidrocarbonetos iniciada pela Petroandina, uma fusão da venezuelana PDVSA e a boliviana YPFB. Tem a oposição da Central de Povos Indígenas de La Paz (Cpilap), uma das 11 regionais da Cidob. De acordo com o Executivo, a Cpilap recebe fundos da agência Usaid (Ajuda dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), entre outras cooperações internacionais. De acordo com o presidente aimara, os indígenas são manipulados para travar o “processo de mudança”. “Nossas organizações não podem ser manipuladas por ONGs e fundações. Estamos detectando, não estamos dormindo. A Usaid, novamente os ‘gringos’, estão por trás de alguns dirigentes do campo e da cidade. Como não existem os vende-pátrias da Bolívia que nos podem fazer frente, querem comprar os nossos dirigentes e confundir a população com qualquer pretexto ou argumento”, disse Morales.

“Não necessitamos de nenhuma organização que nos ajude. Podemos fazer prevalecer sozinhos os nossos direitos, porque há anos estamos lutando de maneira unida por nossas demandas”, disse Adolfo Chávez, presidente da Cidob. Esta é a sétima marcha indígena desde 1990. Já houve mobilizações deste tipo em 1996, 2000, 2002 e 2006. Em todas conseguiram a aprovação de leis a favor dos indígenas relativas aos seus territórios e até uma Assembleia Constituinte que declarou a Bolívia “plurinacional”. Em 2007, durante a Assembleia Constituinte, iniciaram uma marcha de 50 quilômetros, de Santa Cruz até Montero, onde Morales se comprometeu a incluir suas reivindicações na nova Constituição.

A mobilização pede que a autonomia indígena ultrapasse os limites departamentais e municipais, que se elevem de sete para 18 as cadeiras para indígenas na Assembleia Legislativa, que as comunidades tenham capacidade de veto aos empreendimentos em seus territórios e que os candidatos nas circunscrições indígenas sejam eleitos por usos e costumes, entre outros pontos.

Para desbaratar a caminhada iniciada nesta segunda-feira, o governo negocia em separado com as regionais da Cidob. Uma das maiores, a Assembleia dos Povos Guarani (APG), já confirmou sua ausência. Era uma das mais aguerridas: em maio, havia cortado estradas no sul do país por reivindicações afins aos da marcha. Outra com muitos membros, a Coordenadoria de Povos Étnicos de Santa Cruz (Cpesc), ainda não definiu sua participação, enquanto dialoga com o Executivo.

“Aqui não há mão da Usaid. Que o governo nos prove que a Usaid nos financia. Além disso, o convidamos para que venha ver como estamos na marcha, qual é a nossa alimentação e as nossas limitações”, disse Chávez. Os marchantes calculam que levará meses para chegar a La Paz. A menos que cheguem a um acordo com o governo enquanto estão a caminho.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=33689

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